Carina Caminho e Frederico Santos conheceram-se numa reunião de trabalho do jornal local. Ela já o tinha debaixo de olho, ele só a partir desse momento é que começou a contactá-la com a desculpa de “ajudar a vender jornais à saída da missa”. Hoje são um dos casais mais inspiradores da blogosfera e do Instagram com a página Uma Vida Sem Barreiras. A falta de mobilidade nas pernas de Frederico, fruto de um acidente em criança, não impede em nada este casal de jantar fora, ir a festivais de Verão ou viajar e querem mostrar a todos que as barreiras estão só na nossa cabeça.
“Já o conhecia de vista, daqui da terra, mas nunca tínhamos falado”, começa por contar Carina Caminho sobre o actual marido Frederico Santos. Conheceram-se, em 2016, numa reunião de trabalho do jornal regional Amor Mais, que ele ajudou a fundar, e com a desculpa de “ajudar a vender jornais à porta da missa”, Frederico começou a trocar mensagens com Carina. “Começou a meter conversa comigo, depois fomos beber café e começámos a sair”, conta Carina Caminho. “Não a conhecia, apesar de morarmos perto um do outro. Achei-a simpática”, diz, por sua vez, Frederico Santos. A partir daí, a relação começou a consolidar-se, mas não sem antes contarem à família. “A primeira vez que saí com ele, ainda vivia com os meus pais, menti à minha mãe sobre com quem ia sair. Mas depois pensei que não valia a pena mentir porque ela ia descobrir, então acabei por dizer-lhe”, revela Carina, confessando que desde cedo houve entre os dois “aquela empatia” especial.
Um casal que se destacou por transformar as adversidades em inspiração, não deixando as “barreiras” da cadeira de rodas que suporta Frederico Santos impedi-los de viver a vida ao máximo. “O meu acidente foi em bebé, sempre me conheci na cadeira, foi como se tivesse nascido assim. E desde que me lembro, sempre tentei fazer as coisas que as pessoas que me rodeavam faziam. Tive a sorte de nunca ficar de parte e tive sempre amigos à minha volta”, conta, mostrando o espírito positivo que o caracteriza, algo que Carina admira no marido. “A alegria dele, a leveza com que leva a vida, para ele está sempre tudo bem. Às vezes até irrita”, diz, entre risos. Frederico Santos conseguiu “tirar a carta, arranjar namorada”, objectivos que outros não acreditavam que conseguisse atingir. “O facto de dizerem que não ia conseguir ainda me motivou mais. Lembro-me do orgulho que senti quando tirei a carta, orgulho-me de tudo o que fui conseguindo. Não sou Primeiro-Ministro nem o melhor jogador do mundo de futebol, consegui coisas básicas para outras pessoas, mas consegui-as”, frisa.
“As pessoas ficam perplexas como conseguimos fazer uma vida normal”
Para mostrar que outros também conseguem fazer o mesmo, o casal decidiu criar, durante a pandemia e pouco tempo depois de começarem a viver juntos, o blogue Uma Vida Sem Barreiras. Nele, partilham um pouco do seu dia-a-dia e gostos pessoais e surpreendem as pessoas com o tempo preenchido com idas a festivais de Verão ou visitas a novas cidades. “Muitas pessoas abordam-nos com várias questões e ficam perplexas como conseguimos ultrapassar certas coisas e fazer uma vida normal”, diz Frederico Santos, confessando que “se tivesse tido o acidente com a idade actual, certamente passaria por um período de revolta porque a vida como a conhecia transformar-se-ia. Mas nunca me conheci de outra forma, a vida foi-me apresentando as coisas”, afirma. Com o blogue, a ideia é mostrar que “as barreiras não existem, as pessoas é que escolhem vê-las como tal. O que acontece com pessoas na situação do Frederico é que acabam por não levar uma vida normal porque acham que não conseguem”, comenta Carina Caminho. O blogue é acompanhado por uma página de Instagram onde, por agora, estão mais activos, partilhando sobretudo conteúdos do casamento, que se realizou recentemente, e da nova casa.
Gerir estes dois grandes momentos em simultâneo, o planeamento da boda e a construção da casa, foi “stressante”, diz o casal, que ficou noivo na cidade do amor: Roma. “Não queria fazer algo banal, pensei em várias ideias, e quando ela sugeriu Roma para a nossa viagem anual eu comecei a acertar as coisas”, diz Frederico Santos, que planeou dia e local, mas viu os planos saírem furados. “Encontrei o cenário ideal, mas quando chegámos vi que era muito turístico, não havia espaço, eram milhares de pessoas. Fiquei chateado, enervei-me com ela, porque as coisas não estavam a correr bem, saímos de lá e pensei que já não ia acontecer em Roma. Andava com o anel no bolso desde o aeroporto, era uma bomba-relógio”, lembra. “Ele nem me deixava abraçá-lo por causa disso!”, acrescenta Carina Caminho. O que tem de ser, tem muita força, e naquele mesmo dia regressaram ao espaço previamente escolhido, à noite, e o pedido concretizou-se. Carina não estava à espera. “Eu dizia sempre que ele não ia ter coragem de me pedir em casamento. Até brincava dizendo que íamos ter a casa pronta e nada de pedido”, conta.
Agora na nova casa são três: Carina, Frederico e… Penny
Com a Covid-19, tiveram de esperar algum tempo até ao grande dia que depois “passou a correr. Nem nos apercebemos de uma data de coisas que aconteceram. Aqueles pormenores que nos preocupavam, nem reparámos neles no dia”, diz Carina Caminho. “Estávamos muito nervosos nos dias que antecederam a cerimónia, lembro-me de ver a meteorologia todos os dias porque chovia torrencialmente, mas o próprio dia foi espectacular”, afirma, por sua vez, Frederico Santos. O casamento coincidiu com o fim da construção da casa, para a qual se mudaram logo que possível, ainda que falte preencher muita coisa no interior. “Planear o casamento e concluir a casa ao mesmo tempo foi de loucos, que é o que nos chamam pela nossa vida agitada”, dizem, entre risos, com Frederico Santos a apontar as “falhas de prazos e os preços que estavam sempre a subir”. Agora é dar tempo ao tempo e “ir compondo o que falta”.
O que não falta, certamente, é companhia. No primeiro confinamento, Carina Caminho viu-se fechada em casa o dia inteiro sozinha, dado que Frederico se deslocava presencialmente para o trabalho que executa no sector dos moldes de injecção para plástico, então decidiram que era a altura ideal para arranjar um cãopanheiro ou, melhor dizendo, uma cãopanheira. “Em casa dos meus pais, já tinha animais, sempre fui habituada desde a infância a ter cães”, conta Carina Caminho. Assim surge a Penny com uma “personalidade forte” que ladra a toda a gente. “Ela é teimosa, mas é uma doçura”, garante Carina, que gostava de adoptar um segundo animal. “Mas primeiro temos de compor a casa”, reitera Frederico Santos. “Um animal traz sempre mais gastos porque se é para cuidar, queremos fazê-lo bem. E a Penny foi diagnosticada, em Dezembro, com leishmaniose, uma doença crónica. Esteve cinco meses a tomar antibiótico, só na semana passada é que soubemos que tinha ficado tudo bem”, revela Carina.
Acessibilidades para melhorar a nível nacional e internacional
Um casal que mantém o seu espírito positivo apesar dos muitos contratempos que vai enfrentado numa base diária, especialmente no que toca às acessibilidades. “Postes no meio do passeio que obrigam a voltar para trás ou a ir para a estrada e lugares de mobilidade reduzida ocupados por pessoas que não têm direito a eles são situações com que me deparo diariamente”, diz Frederico Santos, admitindo que estas ocorrências “revoltam. Tenho o mapa da cidade de Leiria na cabeça, sei quantos lugares existem e sei também os que nem vale a pena ir, porque a fiscalização é deficiente. As pessoas pensam ‘é só cinco minutos, já venho’, mas esquecem-se que, por exemplo, se está a chover, molho-me todo ao estacionar mais longe. Ou nem consigo ir àquele local, desisto e venho embora. Uma vez, deixei o carro mal-estacionado porque me disseram que não havia problema e depois apanhei multa”, conta. Frederico Santos acha difícil resolver estas situações porque “partem da consciência das pessoas”. Outras, contudo, deveriam ser urgentemente adaptadas. “Existem ainda muitos serviços públicos, como Finanças e Segurança Social, que não são acessíveis. Já nem falo da restauração, mas estes estabelecimentos, onde temos obrigatoriamente de ir, deviam estar prontos para receber qualquer pessoa”, salienta Carina Caminho.
Ambos tiveram de aprender a planear com antecedência todos os passos. “Para mim, já é piloto automático. Quando pego no carro, penso para onde vou, onde vou deixar o carro, como vou sair, se dá para sair, se o estacionamento é perto, faço isso em segundos”, diz Frederico Santos. A esposa foi adaptando estas rotinas com o passar dos anos. “A primeira viagem que fizemos foi um choque porque eu não estava habituada a preparar as coisas, nem me lembrei que havia estações de metro que podiam não ser acessíveis, como aconteceu com o Louvre, em Paris”, recorda, dizendo que tudo exige “preparação. Nas viagens seguintes, já mandei e-mails previamente para as empresas de transportes, tentei levar tudo organizado, embora haja sempre coisas que falham. Só quando comecei a namorar com ele é percebi estas coisas, como pensar ‘vamos jantar fora àquele restaurante, mas espera, tem degraus, não dá’. Agora já estou mais acostumada, se for um ou dois degraus, desenrasco-me”, afirma.
Futuro: construir família, mais um cão e continuar a viajar
Viajar, sobretudo, implica estar preparado para o imprevisto. “Logo a começar pelo avião, aviso sempre que vou, porque não posso simplesmente aparecer, mas nunca estão à minha espera. Chego à porta do avião e pensam sempre que caminho”, afirma Frederico Santos. Duas situações, também relacionadas com transportes, marcaram-nos bastante. “Já tivemos situações difíceis, como no metro de Saldanha. Uma vez, o nosso avião atrasou-se e perdemos o autocarro, então fomos de metro até ao Saldanha, que sabíamos que era acessível. Apanhámos o autocarro nocturno, chegámos e o senhor da estação disse-nos ‘podem sair, mas o elevador para a superfície está avariado’. Era o último metro, era 1h00, e ele simplesmente foi-se embora e não me ajudou. Aquilo tem uma escadaria enorme e eu só tinha uma solução: tirá-lo dali sozinha”, conta Carina Caminho. “Na Internet, a estação continuava a dizer que era acessível, mesmo com o elevador avariado. Colocaram um papel com fita-cola e já está”, critica Frederico Santos. Uma situação semelhante aconteceu em Londres. “Íamos apanhar um autocarro expresso, que era acessível, e quando o autocarro para no centro da cidade, o motorista pergunta se ele anda. Sabíamos que o autocarro tinha elevador porque já tínhamos apanhado antes no sentido oposto, mas havia um protocolo que dizia que só se podia abrir o elevador na primeira ou na última paragem porque se avariasse, o autocarro depois não conseguiria cumprir os prazos de chegada ao aeroporto. Em Londres são muito rígidos com as regras e então o motorista não abriu o elevador. Eu pedi-lhe, nesse caso, para me ajudar a carregar o Frederico, mas ele recusou, disse que não se responsabilizava pelo que pudesse acontecer. Mais uma vez, a única solução era carregá-lo, mas quando estava a fazê-lo tropecei e caímos os dois. As pessoas dentro do autocarro revoltaram-se com o motorista e vieram todas ajudar”, lembra Carina Caminho.
Portugal tem muitas questões a reparar no que toca às acessibilidades, mas não é dos piores. “Ficámos desiludidos com Bruxelas. É o coração do centro europeu e os passeios perto do Parlamento Europeu não são acessíveis”, aponta Frederico Santos. Em contraponto, destacam o Dubai como um excelente exemplo. “Nem nos preocupámos com a questão da acessibilidade, todos os edifícios são acessíveis”, diz Carina Caminho. Barreiras ou não, este casal mantém nos seus planos de médio e longo prazo mais viagens e também “construir família”, sendo que Carina gostava de alcançar estabilidade no trabalho. “Sou professora e tenho contratos anuais, neste momento o meu contrato acaba a 31 de Agosto. Estou a trabalhar no sector privado porque no público os horários que existem são muito reduzidos ou, para serem completos, teria de ir para longe e, por muito que goste de ensinar, está fora de questão ficar longe da minha família”, afirma.