Olá MAGAFONE   Click to listen highlighted text! Olá MAGAFONE
  • Please insert widget into sidebar Customize Righ Home 2 in Appearance > Widgets

Alice Neto de Sousa é a poeta que encantou toda a gente com versos sobre o lápis cor da pele. A poesia nasceu com ela e desde pequena que surpreende os professores, os colegas e os amores com pequenas obras de arte. Como área profissional, escolheu a psicomotricidade, numa fórmula de gostos combinados com média escolar, mas nunca deixou de marcar pontos no mundo da literatura. Com os holofotes sobre ela, não se preocupa com lugares assegurados nem deadlines para escrever, “a vida flui quando fazes o que te faz sentido”.

Quando entra a poesia na tua vida?

Não tenho uma resposta certa, mas sei que foi cedo. A poesia, mais do que escrever, tem a ver com a forma como vemos o mundo, sentimos e depois procuramos expressar, escolhendo palavras ou não. A nossa existência, por si só, pode ser poética. Uns nascem bebés, eu nasci poeta.

Uma poeta que beneficiou do estigmatismo e da miopia?

Sempre vi mal, uso lentes de contacto agora, mas tenho óculos com muita graduação. Se pensar em idades precoces, em que estamos a construir a nossa imagem do mundo, a minha imagem era diferente da de quem vê bem. Não vendo bem, tinha de encontrar estratégias para entender e percepcionar o mundo. Se alguém se cruzava comigo, ao longe, e eu sabendo que, se conhecesse a pessoa, ela me iria cobrar – como aliás já tinha acontecido antes quando me diziam “viste-me e não disseste nada”, mas eu não via – tive de arranjar os meus próprios mecanismos para contornar essa limitação: reparar nas cores que as pessoas vestiam mais vezes, a forma como andavam, prestar mais atenção à voz. Na poesia, tudo nos influencia: ser mulher, ter 1,70m, não tem só a ver com ver mal ou ver bem. Somos o nosso ponto de partida e acho que, sendo eu uma pessoa que vê mal, entre muitos outros factores, isso influenciou a forma como escrevo e como sinto o mundo.

Tinhas o hábito de surpreender os teus professores com poemas?

Não sei o que escrevia, não me lembro, mas eu era aquela aluna que escrevia em casa, sem ninguém pedir, e mostrava às pessoas. Adorava fazer composições de Português nos testes, era um desafio, o gosto de pensar a escrita esteve sempre presente.

O que te atrai na poesia preferencialmente à prosa?

Não quero comparar as duas. Eu escolhi a poesia, mas já escrevi prosa, escrevia contos para os colegas de turma. Eu sinto-me melhor na poesia, por escolha, mas não estive a ponderar entre as duas. Sou poeta porque era para ser. A poesia encontrou-me. Sou poeta desde que nasci, acredito que isto é algo está dentro de nós, pode estar inactivo e algo pode despoletar. No meu caso, despoletou quando me cruzei com a Florbela Espanca, encontramo-nos mutuamente na poesia, e ainda que a poesia me encontrou porque seria menos feliz sem ela. Costumo dizer às minhas irmãs “já viram como a vida flui quando fazes o que te faz sentido?”. Muitas vezes, descura-se a parte artística em função dos estudos, mas tudo tem a sua parte. Naturalmente que temos de perseguir um ensino que seja comum, mas a vida é mais do que o que aprendemos na escola, tem outras camadas que a escola não vai cobrir. A escola tem um papel importante, mas além da escola temos de ter uma capacidade de nos estimularmos para aprender.

Que importância teve o Livro de Mágoas para ti?

O Livro de Mágoas é a minha grande influência. Eu partilhava quarto com a minha irmã mais velha e um dia cheguei a casa, tinha tido um dia triste na escola e vi o livro no quarto. Comecei a folhear e bateu mesmo forte, pensei “isto é o que eu estou a sentir”. Foi uma identificação imediata, logo nos primeiros versos: ‘Este livro é de mágoas. Desgraçados Que no mundo passais, chorai ao lê-lo! Somente a vossa dor de Torturados Pode, talvez, senti-lo… e compreendê-lo. Este livro é para vós. Abençoados Os que o sentirem, sem ser bom nem belo!
Bíblia de tristes… Ó Desventurados, Que a vossa imensa dor se acalme ao vê-lo!”. Cada vez que eu estava triste, pegava naquele livro e lia porque sabia que iria atenuar o que estava a sentir. Já soube todos os 32 sonetos de cor. Lia muito e eventualmente disse para mim própria “eu também posso fazer isto”, como dizia a Florbela Espanca, “tirar dentro do peito a emoção” e dar a alguém, também posso ser poeta e inspirar, que foi o que ela fez.

Qual era a reacção das pessoas aos teus poemas?

Ficavam impressionadas. A primeira vez que me lembro de ter escrito um poema e mostrado a alguém, perguntaram-me “foste tu que escreveste?”, com ar desconfiado. Se fosse uma equação, era logo “muito bem”, mas um poema desconfiava-se: “copiaste? sentiste isto?” Pode ser visto como elogio. Não sinto que fui encorajada nem desencorajada, mas também não estava à procura disso. Uma vez escrevi um poema, estava apaixonada, na escola secundária, o rapaz morava perto da escola e eu sabia onde ele morava, então tive a ideia brilhante de pôr o poema na caixa de correio dele. Vou eu com envelope na mão e no caminho encontro um amigo do rapaz, que me disse “o poema está muito bom”. Tenho lembranças muito engraçadas sobre os poemas. Cheguei a escrever um poema para uma rapariga da minha turma que tinha vindo do Brasil, senti algo nela que me fez querer escrever. Dei-lhe e ela emocionou-se, o poema falava de uma perda, de sair de um lugar para ir para outro. Tinha esta sensibilidade em relação aos sentimentos das outras pessoas, absorvia de uma forma diferente e criava as minhas paisagens interiores.

Acabaste, porém, a seguir uma área que nada tem a ver com a literatura?

Gostava da área da saúde e educação e procurei algo que englobasse essas áreas e que me permitisse concorrer com a minha média escolar. Assim surgiu a psicomotricidade. Se já quis ter outras profissões? Claro. Mas há algo poético em ter sido a última pessoa a entrar em psicomotricidade com a nota de Português. Neste momento, sou psicomotricista a trabalhar na área da surdo-cegueira.

Como começa a tua colaboração com a RTP África no âmbito da poesia?

Escrevi um poema para um livro que foi publicado no Brasil e que acabou por dar título ao livro, chamado Do que Ainda nos Sobra da Guerra. O livro teve uma grande visibilidade no Brasil, tive bastante destaque nos meios de comunicação social lá e aqui ninguém me conhecia, então enviei uma série de e-mails a divulgar o livro. O Bem-Vindos é um programa que dá palco a artistas e eles aceitaram a minha ideia. Apareci pela primeira vez no programa em Janeiro de 2021 e apresentei este livro. Foi muito giro, a felicidade de ir pela primeira vez a um programa e me assumir publicamente como poeta. Depois disso, já não havia volta atrás. Depois, recebi um convite por parte de um produtor do programa para ser convidada regular. Nunca tinha sequer pensado ou sonhado com isso, o crédito do conceito é dele, foi ele que teve essa visão. Comecei em Março do ano passado e fiz mensalmente até Novembro. Foram nove episódios em 2021 de uma oportunidade que agarrei com unhas e dentes.

E nesse programa um dos teus poemas acaba por tornar-se viral…

Na segunda temporada, quis elevar a fasquia, dar tudo o que tenho. Em Dezembro, tinha escrito o poema ‘Poeta’, que apresentei na Power List das 100 Personalidades Negras Mais Influentes da Lusofonia, feito de propósito para um momento de spoken word numa gala para a qual fui convidada. Dado o âmbito da gala, senti que queria dizer algo diferente e assim nasceu este poema. Quando regresso às emissões da RTP África em Janeiro deste ano, pensei “aquele poema teve um impacto tão grande naquelas pessoas”, mas nunca imaginei que ganhasse esta dimensão. Preocupa-me a fasquia demasiado elevada que as pessoas colocaram agora, vamos ver se vou conseguir cumprir… Não comecei agora na poesia, já tenho um estilo próprio desde Janeiro do ano passado, e neste poema saí fora desse estilo, porque quis começar o ano com um grito, a falar de temas que me incomodam. Tenho várias versões, várias faces, não fosse eu Gémeos, mas a Alice do Bem-vindos é uma Alice mais terna, é um entretenimento com o objectivo de alimentar a alma, não é para agitar águas, não é intervenção. Leio poemas que fazem as pessoas reflectir, mas de uma forma contida, quero passar algo às pessoas, mais do que incitar. Existem determinado tipo de conteúdos na televisão que fazem transparecer partes das pessoas que interessam menos e eu, quando vou dizer poesia, tento apelar a partes que possam ajudar-nos a ser mais humanos. A Alice em palco, por sua vez, é mais abrasiva, porque o palco tem outra energia. Aquele poema tinha sido escrito para palco, que é um bolo de poesia e representação. Vou ter de arranjar uma fusão destas duas Alices.

Há algum palco onde te possamos ver com regularidade agora?

Gosto da imagem da poeta errante, quero experimentar espaços diferentes em vez de repeti-los. Num ano já fiz muitas casas, microfones abertos, subir a uma cadeira com um chapéu para as pessoas darem contribuições, encontramos sempre palco para a poesia. Não estou muito preocupada com o próximo palco porque o palco seguinte vem depois do anterior, um convite dá origem a outro. Há magia em explorar, há beleza em procurar onde está a poesia e ir. Eu própria vou sozinha, é uma necessidade estar conectada com a poesia, então aparecia num espaço e sentia a poesia. Uma vez vi, no LX Factory, os Lisbon Poetry Orchestra. Fui sozinha, sentei-me na minha mesa, interagi com as pessoas no final, é tão interessante, trocar ideias, “o que percepcionaste?”, criar a tua própria comunidade. Não estejam à espera de ningém, vão aos sítios que querem ir.

Os sonhos envolvem um livro de poesia em nome próprio?

Claro que sim e espero que ele voe como o ‘Poeta’ voou, mas, como diz José Saramago, “não podes escrever sem nada para dizer”. Tenho muito presente essa frase na minha cabeça, a responsabilidade de publicar um livro. Sinto que tenho algo para dizer, posso e quero fazê-lo, mas também quero fazê-lo no meu próprio tempo, quando me fizer sentido. Sinto alguma pressão neste momento, as pessoas a perguntarem-me “o teu livro?”, a dizer-me “o comboio passa, era bom aproveitares agora esta visibilidade”, mas vou fazer o quê? Inventar? Escrever meia dúzia de poemas que não são sinceros? Vou permitir-me respirar para ter algo bom para dizer. Este poema que as pessoas gostaram tanto eu demorei 28 anos a escrevê-lo, que é a minha idade. Interessa-me a qualidade do que eu vou fazer mais do que a quantidade do que vou publicar. Quero desafiar-me, não quero ficar em lugares demasiado confortáveis ou dentro do meu entendimento, a poesia é pensar além de nós, além da superfície. Quero publicar um livro, mas isso pode acontecer num futuro próximo ou distante, não é já amanhã nem quando as pessoas querem. Quando o fizer, espero que o faça com sentido.

Deixe Comentários

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Carrinho
  • Ainda sem produtos no carrinho.

O nosso site utiliza cookies, portanto, coleta informações sobre a sua visita a fim de melhorar a qualidade dos nossos conteúdos para o site, redes sociais e aúncios. Consulte nossa página cookies para obter mais detalhes ou clique no botão 'Aceitar'.

Configurações de cookies

Abaixo, pode escolher os tipos de cookies que permite neste site. Clique no botão "Guardar configurações de cookie" para aplicar sua escolha.

FuncionalO nosso site usa cookies funcionais. Esses cookies são necessários para permitir que nosso site funcione.

AnalíticasO nosso site usa cookies analíticos para permitir a análise de nosso site e a otimização para efeitos de usabilidade.

Redes SociaisO nosso site coloca cookies de redes sociais para mostrar conteúdo de terceiros, como YouTube, Instagram, Twitter e Facebook. Esses cookies podem rastrear seus dados pessoais.

PublicidadeO nosso site coloca cookies de publicidade para mostrar anúncios de terceiros com base em seus interesses. Esses cookies podem rastrear seus dados pessoais.

OutrosO nosso site coloca cookies de terceiros de outros serviços de terceiros que não são analíticos, média social ou publicidade.

Click to listen highlighted text!