Rita Espassandim e João Silva, de 26 e 25 anos, são dois jovens de Santa Maria da Feira que começaram a ‘trocar likes’ pelas redes sociais e acabaram a fazer viagens de muitos quilómetros pela costa portuguesa. A paixão dele pelas motas passou para ela e hoje têm a página ‘Rodas e Rotas’ onde partilham com os seus seguidores, aficcionados ou curiosos das motas, todas as suas aventuras.
Trocaram gostos nas fotografias um do outro nas redes sociais, como tantos grandes romances do século XXI, mas à primeira vista o amor não se manifestou logo. “Não gostámos muito um do outro”, diz João Silva, contando que foram tomar café a Santa Maria da Feira, concelho do qual ambos são naturais, e “as coisas não correram bem”. “Nesse café, eu estava sem expectativas. Conversamos imenso, mas não despertou nada de especial”, conta, por sua vez, Rita Espassandim. Ainda saíram mais uma vez, mas João lembra que, nesse dia, nem sequer quis trocar a mota pelo carro antes do encontro, apesar da chuva que caía. “Disse a mim mesmo ‘não vou a casa trocar, ela não merece, vai andar de mota à chuva’. Fomos a Cortegaça à chuva”, afirma. A partida, contudo, saiu furada. “Eu adorei”, diz Rita Espassandim, encolhendo os ombros.
Apenas quando ambos rumaram a Coimbra para estudar, a relação evoluiu. “A Rita tinha um amigo na minha Tertúlia de Direito e, por causa dela, tive de vestir-me de escuteiro”, conta João Silva, em alusão à ligação da família de Rita Espassandim ao Escutismo. Em Coimbra, “as coisas foram surgindo” e Rita Espassandim aproveitava, sempre que podia, a boleia do namorado. “Em Coimbra, mesmo quando estava a chover, ela queria que eu fosse buscá-la de mota”, diz João Silva, ao que Rita Espassandim acrescenta: “Era o meu taxista. Não gosto muito de caminhar, nem que fosse à chuva preferia ir descansadinha na mota”.

Mota é paixão de família
Assim nasce um gosto que já era dele e passou a ser dela também. “Eu tinha andado uma vez de mota mas foi numa brincadeira. Não tenho ninguém na família com mota, não tinha qualquer ligação a motas. Descobri as motas por causa dele, hoje em dia posso dizer que gosto”, garante Rita Espassandim. Um elemento natural para João Silva, as motas são um bichinho que o pai lhe passou. “A primeira vez que andei de mota tinha quatro anos. O meu pai tinha uma paixão por motas, foi, na terra dele, Caldas de S. Jorge, o primeiro a ter uma mota. Quando nasci, o meu pai construiu uma mota para mim. Sempre tive mota”, conta, revelando que “toda a gente em casa conduz. A lua-de-mel dos meus pais foi cada um na sua mota a viajar pelo país de mochila às costas. Um bocadinho como nós fazemos agora”, afirma, olhando para Rita Espassandim. Mesmo nas viagens em família, o pai arranjava solução para levar as motas. “Compraram motas grandes e criaram mota com carrinho ao lado para nos poderem levar. Andávamos sempre com eles. Todas as viagens que fiz com os meus pais em Portugal e Espanha foi sempre de mota”, refere.
Rita Espassandim consegue sentir essa experiência acumulada. “O João já anda de mota desde pequeno e nota-se na condução, é uma segurança diferente. Aliás, foi isso que tranquilizou os meus pais, o facto de ele já andar há muito tempo”, salienta. “De carro é o oposto”, brinca João Silva, ao que ela responde: “Andar de carro com ele é horrível, anda muito devagar”. João tenta explicar que “a mota é como uma companhia” mas nem precisa porque mesmo sem palavras a paixão fala alto. “Quando ia para Coimbra, se houvesse um dia da semana em que a previsão desse sol, eu levava a mota, mesmo que nos outros dias estivesse sempre a chover. Se eu levasse carro e estivesse sol, ficava irritado por estar a desperdiçar o dia. Simplesmente não é a mesma coisa, é uma ligação muito profunda à mota, é como se tivesse a minha família toda comigo porque todas as nossas memórias foram construídas de mota”, revela.


Início turbulento até viagem ao Gerês
Até acertarem agulhas, o início da relação foi algo “turbulento” e só na primeira viagem em casal, ao Gerês, começaram a consolidar as bases. “Quando nos conhecemos, não tínhamos muito em comum, foi uma descoberta. A relação não funcionou até começarmos a viajar juntos”, diz João Silva. Uma escapadinha de dois dias que resolveu todos os problemas. “Temos em comum o gosto por descobrir coisas novas e viajar”, diz Rita Espassandim. “Econseguimos estar dias e dias sem dizer nada de jeito”, acrescenta João Silva. Curiosamente, são personalidades opostas mas que acabam por se complementar num yin e yang equilibrado. “Eu sou mais extrovertida, ele é mais pacato, mas somos os dois cómicos. Entre os dois, completamo-nos”, afirma Rita Espassandim.
Se tivessem de destacar o que admiram um no outro, João confessa que “admira a paciência” da namorada. “A Rita rapidamente faz amigos, envolve-se, adapta-se bem. Se formos a qualquer sítio, posso deixá-la sozinha porque faz logo amizades e brinca com toda a gente. A independência dela é das coisas que mais aprecio”, afirma. Para Rita, que se confessa ansiosa e acelerada, é a capacidade de João para a “acalmar e ajudar a clarificar as situações. Sei que se lhe ligar ou conversar com ele vou descomplicar as coisas e isso é muito importante”, afirma. Adaptaram-se um ao outro, harmonizando a balança entre a necessidade de dar e receber atenção e com grandes doses de paciência à mistura, especialmente quando há atrasos desesperantes. “O João é muito lento, eu sou muito rápida. Para sair de casa é uma eternidade e às vezes vai-me ao nervo”, atira Rita Espassandim. “Sempre que combinamos alguma coisa ela leva com meia hora de atraso no mínimo”, diz João Silva, sorrindo.


Mapa de Portugal quase completo
Em cinco anos de relação, já perderam a conta aos sítios que percorreram juntos, tendo ido tão longe como o Algarve e saído além-fronteiras rumo a Espanha. Tantos sítios que agora têm dificuldade em escolher um destino em Portugal para viajar. “Vejo fotos nas redes sociais e consigo identificar quase sempre os sítios, especialmente se forem à beira-mar”, afirma João Silva. “Falta-nos percorrer a zona de Trás-os-Montes”, diz Rita Espassandim. Das viagens que já fizeram, destacam, sobretudo, a Costa Vicentina. “Nunca tinha feito a Costa Vicentina e tínhamos esse desejo em comum. O engraçado dessa viagem é que quando saímos de casa, tínhamos planeado ir para o Norte de Espanha, mas paramos para tomar café e vimos que estava a dar chuva para lá. Liguei ao meu pai e ele disse para seguir o sol e então seguimos para a Costa Vicentina”, conta João Silva, explicando que nunca planeiam as viagens ao detalhe, muito da viagem é decidido à medida que ela se desenrola. “Escolhemos um ponto que nos leva a ir para aquela zona e depois andamos à volta. A minha preferida foi a Costa Vicentina, é lindíssimo, mas já fizemos tantas que agora começa a ser difícil escolher. 98% das nossas férias são de mota, a descobrir todos os cantinhos, gosto muito da sensação, da liberdade”, diz Rita Espassandim, confessando que apesar de serem bichos carpinteiros que não conseguem ficar parados num só sítio, tendo experimentado várias praias ao longo da Costa Vicentina, “gostava de repetir” porque ainda faltam algumas. “Há viagens que correram melhor do que outras, mas a Costa Vicentina é muito bonita, vale mesmo a pena”, confirma João Silva.
E sobre o que corre menos bem, “há sempre sustos. Na primeira costa que fizemos, estávamos a chegar à Ericeira, uma rapariga atravessa a rua inesperadamente a falar ao telemóvel e o carro à nossa frente trava. Mandamo-nos os dois contra o carro e, como a mota estava muito pesada, acabou por cair”, recorda. Felizmente, “não houve grandes estragos” mas aquele dia “acabou por ali” para João Silva que não descansou enquanto o pai, mecânico, não deu uma vista de olhos à mota, que era nova, para ver se estava tudo bem. “Tenho o máximo cuidado com as coisas, mas às vezes não corre bem. Ainda estas férias virei-me para trás para falar com ela, costumamos falamos muito durante a viagem, e fomos à berma, quase caíamos naqueles estradões no Alentejo, andámos ali uns 50 metros a tentar equilibrar, uns segundos em que não se pensa em nada”, afirma.


Rodas e Rotas, um álbum de memórias
Este ano, já foram a Tomar (Maio), ao Gerês (Julho) e ao Alentejo (Agosto/Setembro) de mota e viajaram até à Madeira em Junho onde também alugaram uma scooter. Todas estas viagens estão retratadas na sua página de Instagram ‘Rodas e Rotas’, criada como uma espécie de diário de bordo das viagens mas que acabou por gerar uma comunidade de aficcionados e curiosos. “Começámos no confinamento, no ano passado, em Março”, diz Rita Espassandim. “A nossa ideia não era criar um Instagram, era criar um canal de Youtube, mas eu não gosto de me expor, de falar, então optámos pelo Instagram”, afirma João Silva. Com “pessoas do mundo das motas e pessoas que não são”, portugueses e estrangeiros, “do Brasil, dos EUA”, a página é essencialmente um álbum de memórias. “Aquilo para nós é uma página das nossas memórias. Às vezes, estou em casa e vou ver fotografias e vídeos que fizemos”, afirma Rita Espassandim.
Recebem, muitas vezes, perguntas sobre motas ou pedidos de conselhos para destinos de viagem. “Conhecemos muita coisa e as pessoas perguntam, quando vão de férias, ‘para onde vamos?’. É uma responsabilidade porque depois vão mesmo para onde nós aconselhamos”, diz João Silva. O objectivo da ‘Rodas e Rotas’ não é, contudo, “torná-los influencers. Apenas gostamos de partilhar os nossos dois gostos, o meu por motas e o da Rita por viajar e descobrir sítios novos”, diz João Silva. “E adoro fotografia”, acrescenta Rita Espassandim. Até chegaram a criar um blogue onde relatavam as viagens. “Mas o Instagram serve-nos bem para partilhar e ajudar pessoas”, diz João Silva. Até porque o trabalho não deixa margem para muito mais. “Não podemos dedicar-nos àquilo a 100% e nem é esse o objectivo. É um complemento”, refere Rita Espassandim.
No futuro, ambos querem singrar nas suas áreas profissionais – João Silva acabou o mestrado em Direito Criminal e quer ingressar na Polícia Judiciária e Rita Espassandim é jornalista e uma das mais recentes contratações do Porto Canal, no programa Viver Aqui – e desejam continuar a percorrer o país e o mundo à boleia das suas motas. “Viajar de mota tem de estar sempre nos planos e a minha viagem de sonho, desde pequeno, é ir a Roma, fazer um percurso de duas semanas, de mota”, diz João Silva. Viagens, seja em casal, seja com amigos, que querem continuar a fazer, como a ida anual ao Gerês. “Tenho uma ligação especial com o Gerês, sempre passei lá férias com a minha família”, conta João Silva. “Começámos por ir com os nossos amigos uma noite, agora são duas e já querem fazer uma semana”, revela Rita Espassandim, lembrando a beleza das motas a rolar em conjunto sobre o asfalto numa dança de duas rodas impossível de descrever. “Queremos continuar juntos e vamos fazer os possíveis para isso acontecer”, afirma Rita Espassandim. “Queremos ser o Jorge Mendes e a Júlia Pinto Lopes do Inspector Max”, brinca João Silva, em alusão às profissões de inspector e jornalista representadas na série, referindo: “Nestes cinco anos, passámos por fases diferentes da vida de cada um. Já estivemos a viver em sítios diferentes e deu sempre certo. A distância não é importante quando se quer mesmo alguma coisa”.

