Andreia Castro ganhou o gosto por conhecer sítios novos nas viagens com os pais. Aos 13 anos, um intercâmbio no Japão abriu-lhe horizontes e desde então nunca mais parou de coleccionar carimbos no passaporte. Erasmus em Paris, estágio em Granada, pós-graduação em Londres, voluntariado em S. Tomé e Príncipe e mochilão pela América do Sul são algumas das experiências entre 70 países percorridos. Especialista em Consulta do Viajante, oferece, além de recomendações médicas, dicas úteis para quem, como ela, encontra conforto no verbo ir.
“Uma situação crónica e incurável”, é assim que Andreia Castro descreve, de sorriso bem-disposto, o amor às viagens. Começou com os pais, a percorrer novos caminhos, e com apenas 13 anos foi uma das alunas escolhidas para um intercâmbio de 10 dias no Japão. “A vila de Omura tinha uma relação histórica com Sintra, por causa dos Descobrimentos, eram cidades geminadas e havia um programa que passava pela selecção de um aluno de cada escola pública para ficar em casa de uma família japonesa. Depois disso, acontecia o inverso, dois estudantes japoneses do mesmo grau de ensino ficavam em nossa casa. Foi das experiências mais importantes que tive”, revela.
Na altura, era “louca pelas Navegantes da Lua” e a ida ao país original dos desenhos animados permitiu-lhe explorar o mundo do anime e da mangá. Mais do que isso, Andreia Castro lembra “a estranheza de uma cultura completamente diferente” em que “as crianças limpavam a própria sala de aula desde muito cedo” e “estudantes da mesma idade não falavam inglês porque no Japão preservam muito a cultura e identidade até determinada faixa etária, o foco é na cultura japonesa, não há abertura à internacionalização”. Uma barreira linguística que tornava a “comunicação frágil, à base de gestos, desenhos, expressões faciais. Há discrepâncias muito significativas. Voltei para casa a pensar como era possível haver uma diferença tão grande na linha educativa”, lembra.
Paris, Granada, Londres, S. Tomé e Príncipe e Líbano
A primeira mas nem de longe a última experiência no seu currículo de viajante. Durante a licenciatura, fez Erasmus em Paris, uma experiência “muito enriquecedora” que a deixou com conhecimento suficiente da língua para ainda hoje conseguir manter conversas e dar consultas com clientes que falam francês. Depois disso, participou em estágios em Granada, onde ficou alojada em casa de espanhóis, e completou uma pós-graduação em Londres. “As coisas foram-se proporcionando, até aos últimos anos em que tudo levou uma grande reviravolta”, diz, falando, claro, da pandemia. Mas antes ainda houve tempo para voluntariado internacional. “Já tinha estado ligada a iniciativas pontuais de solidariedade na altura da faculdade mas quando me desvinculo do Serviço Nacional de Saúde e da minha profissão como médica de família, surge o convite para ir para S. Tomé e Príncipe ajudar numa acção de uma Organização Não-Governamental com uma equipa de cinco pessoas (pediatra, médico de medicina interna, ginecologista e médicos de medicina geral e familiar). Fui fazer rastreio de cancro de colo do útero nos hospitais e nas roças e, pontualmente, consultas a diabéticos e hipertensos. Foi a primeira acção de voluntariado que fiz”, recorda.
Mais tarde, os acontecimentos trágicos no Líbano não a deixaram indiferente e mesmo contra todas as recomendações pegou no estojo médico e partiu. “A explosão foi numa terça e eu na sexta estava a sair de Portugal. Contactei várias entidades para ver de que forma poderia ajudar, mas percebi que não havia actuação a nível nacional por parte de ninguém, pelo contrário, as portas estavam fechadas e disseram-me inclusive que eu não tinha competências para ir para o Líbano, recomendaram-me que enviasse currículo para uma próxima oportunidade se achassem que era viável eu integrar uma missão humanitária daquele género”, recorda. Mas Andreia Castro, determinada, recusou-se a ficar de braços cruzados. “Eu tinha uma pessoa conhecida no Líbano, um fotojornalista, e ele dizia-me que a situação era grave, havia muitos feridos sem observação médica, então pus a mala às costas, pedi um pequeno donativo para arrancar e fui. Correu tudo extraordinariamente bem. Eu era uma rapariga que estava habituada a viajar, com experiência a viajar sozinha pelo mundo, sabia que podia ser útil”, afirma.


Cruzeiro nas Caraíbas? Não, obrigada
Nem todas as experiências de viagem foram tão positivas. Às vezes, o que parece demasiado bom para ser verdade, não o é. “Tinha um amigo de medicina tradicional chinesa que se tinha dado muito bem num cruzeiro e contava-me maravilhas da experiência. Eu pensei ‘é a minha cara, pagarem-me para viajar’, além de que havia uma série de regalias, pagava-se bem, os médicos nos cruzeiros são tratados como oficiais, têm cabine individual, frequentam todos os restaurantes, parecia excelente”, recorda, até levar com um choque de realidade. “É o sonho americano, prometem-te algo espectacular que vai mudar a tua vida. Pensei que ia trabalhar na área da medicina estética, ganhar uns milhares de dólares, quem sabe gostar e fazer aquilo durante cinco anos para ter a reforma assegurada. Mas não teve nada a ver”, revela. O contrato era de sete meses e ao fim de três despediu-se. “Quem faz medicina estética, não é pago como médico, é pago como cabeleireiro. Eu trabalhava no spa do cruzeiro e recebia 700€/mês e quase não tinha clientes. Sem clientes, sem gorjetas e com um manager que andava sempre à perna para eu arranjar clientes, o que era impossível porque além de serem maioritariamente pessoas com mais de 70 anos, estávamos num barco de uma companhia inglesa e não americana, e os facelifts, botox e ácido hialurónico fazem parte da cultura americana”, explica. Uma estadia “nada agradável e proveitosa. Ia motivada para trabalhar e fazer um bom pé-de-meia mas não aconteceu”, conclui.
O completo oposto da sua primeira viagem sozinha, em 2017, à Eslovénia, que lhe permitiu desmistificar uma série de medos. “Mais uma oportunidade que surgiu por acaso. Tirei uns dias para ir a Marrocos com a minha irmã, mas não correu bem. Comprámos a viagem numa agência e eu estava convencida que íamos com um grupo de 10/12 pessoas. Quando chegámos a Marrocos, era só eu e ela e eu não me senti confortável em estar uma semana, que incluía três dias no deserto, com dois homens marroquinos desconhecidos”, lembra. No dia seguinte, vieram embora, mas Andreia Castro tinha quatro dias de férias para gastar num curto período de tempo ou arriscava-se a perdê-los. “Decidi ir sozinha para a Eslovénia, um país europeu, pequeno, seguro, com bastante paisagem natural. Pensei ‘são só quatro dias, se não gostar, tudo bem’, mas a verdade é que foram dias verdadeiramente transformadores. Percebi que conseguia fazer tudo sozinha, conheci imensa gente e limpei a cabeça de uma série de medos”, conta, afirmando peremptória: “Se soubesse, teria viajado sozinha mais cedo. Quando estamos sozinhas, somos muito mais autónomas e hoje em dia é tudo tão simples graças à Internet e às apps; além de que viajar nunca foi tão barato”, refere.
Blogue Me Across the World e Consulta do Viajante
Nesse mesmo ano, criou o blogue Me Across the World numa tentativa de registar mais facilmente todas as experiências de viagem. “Estava a viajar para Madagáscar e queria tomar notas da viagem porque depois tenho muita dificuldade em lembrar-me dos nomes dos sítios e tinha pena de estar a viver imensa coisa e não conseguir lembrar-me nem explicar onde estive. Comecei por escrever no Facebook mas com o avançar do tempo tornava-se difícil encontrar as publicações, então o Me Across the World nasceu de muitas noites agarrada ao computador até de madrugada a aprender a construir um website. Um grande esforço que tomou outra dimensão quando me desvinculo do SNS”, afirma. Torna-se especialista em Consulta do Viajante e começa a disponibilizar os seus serviços on-line.
A procura cresceu de tal modo que Andreia Castro criou um segundo website apenas dedicado a esta prática. “Aquilo que mais gosto e me faz adorar o que faço é que consigo aconselhar não só na parte médica, mas também na própria viagem: dizer-lhes para irem ao sítio x, comprarem o cartão da Internet y, apanhar o autocarro nocturno. É mais do que uma consulta médica”, explica, evidenciando o carácter diferenciador dos seus serviços. Consultas “complexas” e extensas que abarcam um “grande manancial de informação. Há informação que eticamente tenho de transmitir e naqueles países em que estou mais à vontade, estendo além disso. A minha Consulta do Viajante é mais do que repelentes, prevenção da malária, vacinas. Tenho inclusive prestado apoio durante as viagens, se as pessoas ficam doentes podem contactar-me, e ultimamente tenho apoiado muito grávidas que querem viajar em segurança”, afirma. Adicionalmente, faz workshops de preparação para viajantes com “dicas para viajar de forma mais barata e segura. Dou-lhes as ferramentas que eu gostava de ter tido há uns anos quando estava a começar”, explica.

A Consulta do Viajante, frisa Andreia Castro, deve ser marcada “idealmente quatro semanas antes da viagem” para “tratar de tudo com calma”. No que toca aos países, “regra geral para a Europa, excepto Europa do Leste, não há grande necessidade de uma Consulta do Viajante. Mesmo se falarmos em Japão e EUA também não é obrigatório. Mas se for América Central ou do Sul, África, Médio Oriente, aí é preciso aconselhamento”, salienta. Nos últimos tempos, têm-lhe surgido muitos pedidos de aconselhamento de viagem para S. Tomé e Príncipe e para a América Central e do Sul, “países que já abriram e estão a começar a receber turistas. A Ásia, com a pandemia estagnou, não há praticamente viajantes a ir para a Tailândia, Indonésia, Vietname”, afirma. África, pelo contrário, está com uma procura significativa: S. Tomé e Príncipe, Quénia, Tanzânia.
“Ganha-se sempre em fazer uma Consulta do Viajante para proteger de doenças e capacitar para qualquer situação menos boa”, diz Andreia Castro. E quais as dúvidas mais frequentes? “Normalmente, a consulta é tão completa que os clientes não ficam com dúvidas”, diz, entre risos, acrescentando depois que perguntam coisas simples como “o protector solar é antes ou depois do repelente?, posso lavar os dentes com água da torneira?, tenho mesmo de fazer comprimidos de prevenção da malária? Há muita informação que tem de ser transmitida. As pessoas vêm só à espera de vacinas e são surpreendidas com o volume de informação que recebem”, refere. Não é o tipo de médica que proíbe países e sente que as pessoas gostam da sua forma “prática” de ajudar. Mesmo que o país esteja fora do seu radar, Andreia Castro assegura a pesquisa necessária. “Na inscrição, preenchem um questionário em que dizem para onde vão, quando, em que contexto e quanto tempo vão ficar. Quando são países menos comuns, como ontem em que tive duas irmãs que vão para os Camarões, tenho de verificar. São muitos países, de vez em quando tenho de confirmar que aquilo que eu sei está correcto”, esclarece.
Passaporte cheio de carimbos e tantos conselhos para dar
Com mais de 70 países percorridos, a médica lamenta a pandemia que lhe veio adiar algumas viagens planeadas. Ainda assim, regressou, em Julho, a S. Tomé e Príncipe para nova missão humanitária. “Fiz recolha de donativos e converti o dinheiro dos donativos em medicamentos. Quando percebi que não tinha mais espaço na bagagem, converti o resto do dinheiro em copos menstruais, que são leves, compactos e não ocupam volume. Em S. Tomé e Príncipe, fiz uma acção de formação junto de raparigas novas, recém-menstruadas. Elas nunca tinham visto sequer um tampão, quanto mais um copo menstrual. Estamos a falar em comunidades em que as raparigas deixam de ir à escola porque sujam as roupas. Um copo menstrual que pode ser reutilizado durante 10 anos, faz toda a diferença. São as pequenas coisas”, salienta.
No passaporte, conta ainda com viagens recentes ao Dubai e ao Peru, este último que entrou directamente para o seu top3 de destinos favoritos. “Adorei, aquelas vilas rurais, a parte paisagística, tenho uma grande ligação à América do Sul”, confessa. Não é por acaso que o Chile é o primeiro na lista. “Tem tudo, a Patagónia, os lagos, o Deserto de Atacama, a vida boémia de Valparaíso, uma variedade paisagística muito rica… é um destino espectacular”, diz. Em segundo lugar, fica a Islândia. “Bastante semelhante ao Chile no que toca ao desenvolvimento geológico”, refere. No futuro, quer “explorar melhor a Ásia”. Seja qual for a viagem para fora da Europa, há regras que não esquece. “As regras base prendem-se sobretudo com a alimentação porque para qualquer país que se vá, vamos comer”, afirma. E que regras são essas? “Beber apenas água engarrafada e não água da torneira e seus derivados (gelo e gelados) e a comida deve ser bem cozinhada, evitar a 100% os alimentos crus. O que vai para a mesa pode ser facilmente da horta de um pequeno produtor que não tem saneamento básico e as pessoas põem-se a jeito de ficar seriamente doentes”, reforça. Outras regras, neste momento, necessitam de uma consulta actualizada. “Com a pandemia, digo sempre aos meus clientes para, perto da viagem, consultarem informação relativa à Covid-19. Não vale pena eu estar a dizer na consulta que é preciso um teste PCR porque daqui a um mês pode já não ser preciso. As consultas são para aconselhar e capacitar, mas não somos os responsáveis totais. Mais perto da data da viagem, a pessoa deve rever a documentação porque as coisas estão a mudar rapidamente”, salienta.
