Sara Lebreiro tinha um sonho: criar uma cooperativa de artistas que através da entreajuda potenciasse a divulgação dos respectivos trabalhos e permitisse, assim, o usufruto da arte pelo grande público num espaço comum. O sonho não incluía, inicialmente, um lugar físico, mas quando passou pela Rua Dr. Roberto Alves, em Santa Maria da Feira, e fixou o olhar na loja vazia que lá se encontrava, soube de imediato que seria a nova casa da ArthenonCoop, a mais recente cooperativa que recebe qualquer visitante com coloridas e encantadoras obras de arte e onde todos são bem-vindos para comprar peças, assistir a eventos culturais ou participar em ateliês e workshops.
O sonho “começou há muitos anos”, diz a professora de música Sara Lebreiro, e envolvia “criar uma cooperativa de artistas”. Juntar diferentes artes num só sítio descreve não só este projecto que vivia na cabeça da artista, mas também a descreve a ela própria, dedicada à área da música, mas com formação em arquitectura e cerâmica. “Fixei-me na área da música, mas sinto falta do resto, sempre gostei da combinação de várias disciplinas e daí a ideia de criar uma cooperativa artística para nos entreajudarmos porque, sozinhos, é complicado viver da arte”, explica. Ainda antes de rebentar a pandemia, começou a “espicaçar” algumas pessoas para avançar com o projecto. “Redesenhámos a ideia original e acabei por convidar também pessoas que já estão reformadas, mas continuam a ser pessoas muito interessantes e com muito para oferecer. Quero que a cooperativa interligue diferentes faixas etárias, iniciantes, profissionais, entusiastas, decepcionados, toda a gente é bem-vinda”, conta. Viver da arte e usufruir da arte são as principais metas de Sara Lebreiro para esta cooperativa que tem como objectivo principal “a felicidade do indivíduo” e que acabou por chamar-se ArthenonCoop, uma homenagem à paixão da fundadora pela arte gregra. “Sou fã de arte no geral e da arte grega em específico, então a pensar no templo Partenon, surgiu Arthenon, e agora os vários eventos que fazemos pegamos sempre no nome para criar trocadilhos”, diz.
A ideia não incluía, inicialmente, um espaço físico para se desenvolver. “O plano era realizar vários eventos noutros espaços, mas apercebi-me que faria sentido ter um espaço próprio e um dia, quando passei nesta rua, vi a loja e não quis perder a oportunidade. Em termos de investimento é complicado, arrancámos sem apoios e falta-nos o estatuto para podermos beneficiar da Lei do Mecenato, mas estamos a concretizar aos poucos, com muita vontade, e vamos chegar ao destino”, acredita. Sara Lebreiro confessa que o mais difícil em todo este processo de puro empreendedorismo é “o momento de pagar as contas”, mas como artista “não falta criatividade”, e as receitas têm surgido das várias iniciativas que a ArthenonCoop dinamiza, desde venda de peças em exposição até sorteios, ateliês ou eventos. O espaço quer-se, sobretudo, polivalente e que “grite” arte a quem passa à porta. “Queremos começar a agir na rua, cruzarmo-nos com a vizinhança, estamos a pensar numa série de parcerias interessantes, as coisas vão acontecendo, umas mais naturalmente, outras menos. Queremos mudar hábitos e mentalidades”, afirma.
Quadros, peças, ateliês e futuro coworking?
A sede da ArthenonCoop funciona, actualmente, apenas no rés-do-chão com uma exposição de quadros temporária que vai mudando consoante o artista em questão, vários artigos de diferentes naturezas disponíveis para compra pelos visitantes e a possibilidade de inscrição nos ateliês de pintura e desenho da artista feirense Nathalie Emilienne (primeira sessão gratuita na aquisição de um pack de 4 aulas), que assina, inclusive, os murais da sede da cooperativa. Ocasionalmente, a ArthenonCoop, que abriu portas em Maio durante o Festival Imaginarius, acolhe também eventos, como ‘Da Harmonia à Palavra’, conversas informais com artistas de diferentes áreas sobre um determinado tema, ou ‘Fogaça ao Sal’, uma experiência de degustação que levou à descoberta das combinações menos conhecida do típico pão doce. “Nunca pensei, mas Fogaça com guacamole é espectacular”, revela Sara Lebreiro, que quer fazer mais edições destas iniciativas que tiveram uma boa adesão. De futuro, poderemos encontrar no 1.º andar mais ateliês com “diferentes artistas a mostrar e ensinar a sua arte” ou uma alternativa de coworking, “as ideias são muitas, é preciso selecioná-las”. Para tudo isto, além dos cooperantes, núcleo duro da cooperativa que tudo decide, contribuem os AmarElos, “pessoas com quem se vão estabelecendo elos, artistas ou apreciadores”, cada um com uma parceria à medida, que se tornam parte integrante da vida do espaço.
Um percurso que tem sido difícil porque está muito concentrado na empreendedora que o impulsionou. “Tinha a consciência que ia ser duro, mas quando arrancámos é que senti o peso todo, é muito para fazer, muita ansiedade, as ideias não param, mas não consigo concretizá-las todas. Limpar isto tudo, um edifício antigo, arranjar trabalhos para expor, estabelecer contactos, muitos percalços pelo caminho… Mas é aquilo que eu gosto e as pessoas que passam sentem que há aqui algo de diferente e isso motiva a continuar, mesmo com as dificuldades todas”, refere. Questionada sobre o orgulho de ver a cooperativa com que sonhou ganhar forma, Sara Lebreiro não se ilude e mantém a atenção no objectivo final. “Ainda está muito longe do sítio onde tem de estar, estou muito focada no que tem de ser feito”, salienta. Com a chegada da Viagem Medieval, promete surpresas e continuará a usar a sua “criatividade” para arranjar complementos financeiros e patrocínios que ajudem a subsistir este sonho que é dela mas abarca todos os artistas que com a Arthenon formaram elos.
“Quero que a Arthenon siga o mote da arquitectura grega que era conhecida pelo seu equilíbrio, mas também pelo seu romantismo. São esses valores que quero que estejam presentes nesta estrutura, a proporção mas também o romantismo que faz viver a arte”, afirma Sara Lebreiro, que se sente a mãe da ArthenonCoop. “Arrisquei porque acredito que as coisas vão acabar por funcionar. Quando temos uma estrutura bem desenhada, resulta. Vai doer muito pelo caminho, pode demorar, mas eu sou muito lutadora e às vezes temos de seguir em frente, filtrar os conselhos e não nos deixarmos abater pelas adversidades. Quando gostamos mesmo de uma coisa e acreditamos nela, se para nós faz sentido, temos de arriscar”, atira, como conselho para futuros empreendedores. Não deixa de lembrar, contudo, que é impostante “não começar completamente do zero. É um processo solitário, mas devemos ter uma rede de apoio humano”, frisa. Da ArthenonCoop podemos esperar, além de encantadoras obras de arte que já decoram as paredes e móveis do espaço, muitas actividades que vão “mexer com a sociedade”.