Quem olha para a casa de Mariana Rodrigues, diz que ela é uma pessoa “calma, zen, tranquila”, mas a verdade é que a terapeuta da fala decora o lar precisamente com o intuito de trazer essa serenidade para a sua vida. Com orçamentos sempre apertados, conseguiu ir navegando pelo mundo da decoração de interiores nas várias casas que teve, mas o grande desafio chegou com a renovação da casa de férias da família, em Leiria, que agora se tornou residência permanente. Um espaço que ainda está a sofrer alterações, divisão a divisão, e que se prepara agora para, adicionando a Mariana e Paulo e os companheiros de quatro patas, receber um novo elemento: a bebé que está a caminho.
A decoração é um gosto que “sempre lhe foi natural. Sempre gostei de criar, de inventar, em miúda adorava trabalhos manuais”, conta Mariana Rodrigues. Um gosto que acabou potenciado pela vivência a dois com o namorado, Paulo, nas casas que habitaram. “No início, não tínhamos grandes condições financeiras e mobilámos a primeira casa com o que nos deram, mas à medida que o tempo foi passando, substituímos por coisas que nos faziam mais sentido”, revela. O grande desafio, contudo, veio com a casa de férias da família, em Leiria, que desde que rebentou a pandemia se tornou o novo lar do casal. “É a minha casa de família, cresci aqui, esta casa tem 30 anos, e passámos aqui por um período complicado com a doença e falecimento do meu pai. Herdei esta casa, mas sempre que aqui voltava, lembrava-me da doença, ou era o ambientador que usávamos ou o tapete em que a cadeira de rodas empancava, despertavam memórias e comecei a perceber que tinha de mudar algumas coisas para conseguir entrar em casa e não me lembrar só das coisas más. Inicialmente, fizemos projectos em DIY (Do it Yourself) e depois avançámos com obras e grandes mudanças”, conta. Um desafio que a obrigou a “aprender mais sobre decoração para conseguir planear a remodelação da casa. Quero que dure mais 30 anos”, diz, entre risos.
Mariana Rodrigues lançou-se assim, e visto que o seu trabalho como terapeuta da fala nas escolas estava parado devido ao confinamento, num curso de decoração de interiores que durou um ano e que foi “bastante prático. Na parte mais criativa, de imaginar e idealizar, não tive qualquer dificuldade; a parte mais técnica, de softwares, medidas, planeamento mais rigoroso, já não é tanto a minha praia. Gostei bastante do curso e ajudou para depois aplicar cá em casa. Não tive dúvidas de que gostava bastante desta área e continuo perdidas de amores por ela”, confessa. Durante a renovação da casa, a grande dificuldade foi manter-se dentro do orçamento. “Não tínhamos um orçamento muito grande, portanto o grande desafio foi controlar. Temos muitas ideias, eu tinha um leque enorme de azulejos, acabamentos, móveis no Pinterest e durante as obras levei muitos baldes de água fria quando percebi que a expectativa que eu tinha não correspondia à realidade, por exemplo tinha orçamento de 12€/m2 para azulejos e os que andava a ver no Pinterest custavam 100€/m2”, afirma. Avançaram com “as obras mesmo necessárias”, como canalização e electricidade, e no final “não sobrou muito para a decoração em si. Terminámos as obras há um ano e tenho estado a fazer a decoração aos poucos porque não há condições para uma transformação ao estilo Querido Mudei a Casa. No interior, ainda tenho projecto para mais uns aninhos e depois há toda a parte exterior”, clarifica.


Uma casa de família com 30 anos completamente transformada
Divisão a divisão, a entusiasta da decoração de interiores vai colocando a casa ao seu gosto e do companheiro. “Comecei pela sala, pelos espaços comuns, e agora estou a planear os quartos. Quando nos mudámos da nossa casa de Lisboa para esta, juntou-se o mobiliário e tralhas de duas casas numa, o que faz com que tenha muitos móveis que não se enquadram nesta casa. Na verdade, tenho muitos móveis, mas não tenho os que preciso. Está a ser um processo de transição, tenho adaptado muita coisa que já tenho”, afirma. Em termos de estrutura, foram as casas-de-banho que sofreram as maiores transformações. “São decisões muito importantes, perceber como o espaço flui, como entramos nele, como nos movemos. O curso deu-me ferramentas para perceber e trabalhar tudo isso. As casas-de-banho foram um desafio porque são pequeníssimas. O layout que tinham antes era terrível e como já tinha vivido 30 anos com aquele layout, sabia que tinha de ser alterado. É a vantagem de renovar uma casa onde já vivemos”, refere.
Alterações feitas a pensar, sobretudo, na funcionalidade dos espaços. “A casa tem de ser bonita, mas também tem de ser prática para manter as coisas arrumadas. Não sou, de todo, fada do lar, e tenho muitos animais, por isso tive de pensar em soluções que permitissem que a casa se mantivesse arrumada”, aponta. Soluções como um móvel para a entrada da casa. “Tínhamos uma mesa no hall de entrada e o que acontecia é que chegávamos a casa e ia tudo para cima da mesa: chaves, mala, casacos. Pensei ‘não pode ser, a casa está sempre com este aspecto’. Arranjei um móvel e agora temos o sítio das chaves, dos sapatos, das malas, é uma situação funcional. Se pedisse ao Paulo para ir ao quarto arrumar as chaves, os sapatos, ele não fazia. Além da beleza dos objectos, temos de pensar que vantagens é que nos trazem enquanto família no nosso dia-a-dia porque somos dois adultos, quatro gatos, dois cães e vem agora uma bebé a caminho. Tem de ser uma casa minimamente funcional porque senão enlouquecemos”, diz, entre risos.


Bebé a caminho, muitos desafios a acompanhar
Com a nova adição à família vem mais um grande desafio. “A parte má de gostar de decoração é que tenho ideias para 20 quartos e só tenho um quarto, voltamos à questão do orçamento. Vejo muita coisa bonita, mas tenho um orçamento restrito. Tudo é muito fácil quando temos um orçamento ilimitado, podemos criar sem preocupações. Quanto temos um orçamento real, temos de puxar pela criatividade e tentar fazer o melhor dentro daquilo que podemos”, afirma Mariana Rodrigues, preocupada com a selecção dos móveis e objectos de decoração. “Estou a tentar perceber como vou pôr tanta coisa naquele espaço pequeno e como vou escolher dentro de tudo o que gosto. Acredito que vou mudar o quarto dela mil vezes”, atira. Uma boa dica de decoração que aprendeu foi tentar colocar a base neutra e mudar apenas alguns objectos ao longo do tempo. “Tenho muita necessidade de estar sempre a mudar e, com uma base neutra, mudo apenas alguns apontamentos e já parece que tenho uma casa diferente e isso tem sido fantástico porque não posso estar sempre a trocar de sofá ou de mesa. No quarto dela vou fazer a mesma coisa, vou investir em elementos duradouros e esses pequenos apontamentos vou trocando. Troco a decoração e não tanto a parte estrutural do quarto”, diz, aconselhando as pessoas a “colocar móveis intemporais e selecionar apenas um para se destacar, que depois pode ser trocado ao longo do tempo. Fui aprendendo com os erros porque o meu sofá era vermelho e gostava muito dele, mas cansei-me da decoração que podia fazer com ele. Tive de estufar e trocar a cor”, conta.
A inspiração vem sobretudo de redes sociais como o Pinterest e o Instagram, que Mariana Rodrigues só começou a usar quando rebentou a pandemia. “Sigo muitas páginas de pessoas como eu, que têm outros trabalhos, mas gostam de decoração, e também páginas de decoradores. No início, quando comecei a pesquisar sobre decoração, usava muito o Youtube, vídeos de transformações de casas. Agora é mais Pinterest e Instagram”, diz, abrindo o livro da história do Home Diary PT, a sua página de decoração. “Na pandemia, fiquei com muito tempo livre e foi na altura que viemos para esta casa e começámos a aligeirar a decoração que já era a mesma há 20 anos. Nunca tinha usado o Instagram até então, comecei a pesquisar páginas de decoração e acabei por criar o meu Instagram pessoal e, como havia tanta gente com páginas de decoração que eu gostava de ver, criei também a minha. Até aí, as partilhas que fazia eram num grupo de Facebook de pessoas que gostavam de transformar móveis. Já tinha esse bichinho e na pandemia achei que fazia sentido ter uma página própria, mas nunca pensei que chegasse aos 13 mil seguidores”, confessa. Reservada e a sofrer com o conhecido “síndrome do impostor”, Mariana Rodrigues ainda mantém a página um pouco “escondida. Ainda hoje muita gente não sabe que a página é minha. Comecei a partilhar porque sentia-me inspirada pelas outras páginas e também queria inspirar. A minha família só descobriu neste Natal e as piadas começaram logo. Há um preconceito associado a este género de conteúdos e páginas, sobretudo de pessoas que não estão tão dentro do Instagram, mas neste mundo tenho descoberto coisas bastante boas e pessoas muito simpáticas”, afirma.


Tranquilidade? Só na casa
A página tem crescido e a entusiasta da decoração até já conseguiu algumas parcerias. Os seus seguidores sentem-se inspirados pela decoração com influências do estilos escandinavo e boho, mas essencialmente focada nos “neutros, luminosos, brancos e madeiras”, seguindo o que “faz sentido consoante as peças e o ambiente a criar. Gostar, gosto de muita coisa, mas nem tudo faz sentido na minha casa e no que eu preciso de sentir aqui”, afirma. Sentir é a palavra-chave. Nas suas interacções com a comunidade digital, julgam-na “calma, zen, tranquila”, mas “quem a conhece sabe que é o oposto: ansiosa, stressada, irrequieta”. E daí a necessidade de serenidade na decoração. “É engraçado como as pessoas associam a tranquilidade da minha casa à minha personalidade, mas é o oposto, eu preciso desta calma para me conseguir organizar. O meu namorado nota logo quando estou mais agitada porque começo a arrumar tudo. Preciso de tranquilidade à minha volta para me conseguir sentir tranquila. Crio um ambiente mais calmo porque se vivesse naquelas casas muito coloridas acho que nunca parava. E vivi 30 anos numa casa com tijoleira laranja, uma casa-de-banho preta, uma casa-de-banho vermelha, porque a minha mãe gosta muito de cor. Quando nos mudámos, ela só dizia ‘Mariana, não ponhas isso tudo branco, vai parecer um hospital’, mas eu queria tudo branco, tinha de ficar à minha medida. Entretanto, a minha mãe já me perdoou”, diz, entre risos.
O último espaço que transformou foi o escritório do companheiro, que acabou por se distanciar um pouco do ambiente do resto da casa. “Foi um desafio um pouco ao lado do que eu sou e do que eu gosto, mas conseguimos encontrar um bom equilíbrio. Tive alguma dificuldade no processo porque sabia que não tinha nada a ver com o que a minha comunidade do Instagram está habituada, mas depois pensei ‘é a minha casa e este é o espaço dele, se as pessoas não gostarem, paciência’. Até podia fazer um espaço espectacular só para a fotografia, mas eu não sou assim, todas as partilhas que faço são reais e transparentes e quero manter isso, não quero entrar num mundo de perfeição”, salienta. Talvez por isso também não goste de se inspirar em revistas de decoração. “Uma boa decoração passa por um sítio onde nos sentimos felizes, que inclua memórias e objectos importantes para nós. Podemos fazer uma casa digna de revista, mas se a pessoa não se identifica, não faz sentido. Por isso não me inspiro muito em revistas porque acho que é muito para a fotografia, não são espaços criados para pessoas reais, para famílias com crianças, animais, tralhas. Uma decoração para ser boa tem de ir ao encontro das pessoas que lá vivem. A minha mãe nesta casa ia ser muito infeliz porque para ela a decoração não faz sentido. Acima de tudo, temos de nos identificar com o espaço em que vivemos e sentirmo-nos bem. Há tanto caos lá fora que termos um sítio tranquilo para onde voltar é muito importante”, reforça.
Na Home Diary PT, Mariana Rodrigues vai dando dicas de problemas que ela vai sentindo e acha que podem ser úteis para quem a segue, mas também se baseia em sugestões dadas em comentários ou mensagens para ajudar o seu público. Sobre um futuro na decoração de interiores, recusa encaixar-se numa única gaveta. “Quando fiz os testes psicotécnicos, no 12.º ano, os resultados ditaram que eu podia fazer tudo, não havia uma só área que me servisse. E hoje em dia também sou assim, tenho necessidade de fazer muitas coisas diferentes porque senão aborreço-me. Neste momento, a terapia da fala paga-me as contas e a decoração é um passatempo”, refere. Um passatempo que poderá eventualmente pagar contas? “Recebo muitas mensagens a perguntar se faço projectos ou quando começarei a fazer, mas ainda tenho de ultrapassar o ‘síndrome do impostor’ que me diz que não consigo, que não vou fazer um bom trabalho. Vou fazendo coisas na decoração de interiores de forma informal, tanto na página, como para pessoas que conheço, quando é preciso decorar, chamam-me. Ainda não ganhei coragem para dar um passo maior, mas gostava”, diz Mariana Rodrigues, deixando no ar a possibilidade de encontrar casa permanente na decoração de interiores.