Três investigadoras da Universidade de Coimbra descobriram o que potencialmente se pode tornar a nova forma de embalar produtos. Marisa Gaspar, Mara Braga e Patrícia Almeida Coimbra explicam como as embalagens comestíveis que estão a desenvolver podem ser uma alternativa sustentável ao plástico, não só beneficiando o meio ambiente como também a saúde do próprio consumidor.
A investigação começou focada no aproveitamento de resíduos da indústria agroflorestal para obtenção de produtos de valor acrescentado. As três investigadoras da Universidade de Coimbra – Marisa Gaspar, Mara Braga e Patrícia Almeida Coimbra – desenvolveram alguns filmes (películas) e mais tarde direcionaram esse trabalho para a área alimentar. A proposta valeu-lhes um prémio, financiado pela Universidade de Coimbra e Santander Universidades, para apostarem no desenvolvimento de filmes comestíveis.
As metas consistem em: encontrar uma alternativa ao plástico e, ao mesmo tempo, “aproveitar os resíduos alimentares de forma a criar um novo produto com efeitos positivos para a sociedade e ambiente. Considerando a produção agrícola em Portugal e também a grande costa marítima, e a actividade de pesca existente, consideramos importante tentar aproveitar os resíduos produzidos nessas indústrias e dar-lhes uma segunda utilidade”, contam as investigadoras em entrevista à Magafone.
Durante o processo, as investigadoras depararam-se com algumas dificuldades, como encontrar “a conjugação correcta dos diferentes resíduos de forma a manter as propriedades dos filmes, nomeadamente em relação à elasticidade, transparência, entre outros”. Mas o grande entrave da investigação, confessam, é sobretudo “a escassez de financiamento” e a dificuldade de “desenvolver uma investigação com duração de 5 a 10 anos com resultados para serem aplicados na indústria quando os contratos dos investigadores são a termo, de 3 anos”, apontam.
Embalagens feitas de cascas de frutas, legumes e crustáceos
O potencial dos filmes que estavam a desenvolver, porém, levou a que prosseguissem com o trabalho. “Percebemos que os filmes/revestimentos desenvolvidos poderiam ter potencial como embalagens comestíveis quando começámos a obter formulações com propriedades adequadas para serem utilizadas na substituição de algumas embalagens/revestimentos. Para além disso, já tínhamos percebido que muitas empresas do sector agroalimentar produziam resíduos em excesso com muito valor nutritivo e com compostos capazes de fazer parte da matriz de um filme alimentar”, explicam. Entre os resíduos utilizados para o desenvolvimento das embalagens, estão cascas de frutas e legumes (batata, marmelo, abóbora, laranja, etc.) e cascas de crustáceos, mas também “frutas/legumes que não cumprem com os requisitos padrão de tamanho para comercialização”.
Os resíduos são “convertidos em pó e depois dissolvidos em solução aquosa”, que pode ser “aplicada directamente no fruto/legume através de imersão ou por spray. Neste caso, o revestimento fica quase impercetível. Em alternativa, a solução preparada pode ser seca de forma isolada, formando uma película, que pode ser aplicada, por exemplo, em queijos, em substituição de algumas películas sintéticas utilizadas. Nesta situação, a película é visível, mas apresenta transparência e é relativamente fina”. Outra inovação destas embalagens é o facto de poderem ser, também elas, consumidas. “Se estivermos a falar de legumes destinados a ser cozinhados, por exemplo, os legumes podem ser tratados como se não tivessem o revestimento. Este é biodegradável, e acaba por se dissolver na água, com a temperatura. Mesmo que se opte por outro método de confecção, o revestimento é comestível e até traz vantagens para o consumidor”, garantem as investigadoras.
Carácter biodegradável e contribuição para economia circular
Os principais benefícios desta alternativa ao plástico são “o carácter biodegradável e o facto de contribuírem para a economia circular, uma vez que são desenvolvidas a partir de resíduos alimentares. Para o revestimento dos alimentos, a vantagem é o aumento do tempo de vida útil uma vez que contêm aditivos naturais como antioxidantes, antimicrobianos, ou outros, na sua composição sendo possível controlar também a maturação”. Por outro lado, esses antioxidantes “trazem também vantagens para a saúde do consumidor, pois previnem o aparecimento de determinadas patologias e, por isso, podem ser consumidos juntamente com os alimentos”, salientam. As embalagens inicialmente pensadas para revestir fruta, legumes ou queijo poderão ser aplicadas “noutros géneros alimentícios ou até noutros produtos. No caso de outros alimentos, terão que se fazer outros estudos para avaliar a compatibilidade e a viabilidade de aplicação. O mesmo se aplica à utilização deste produto desenvolvido com outros materiais e noutras áreas”, referem.
O próximo passo na investigação é a “incorporação de probióticos nos revestimentos, o que irá reforçar o contributo para a saúde do consumidor. Temos já algumas películas/revestimentos promissores, que desenvolvemos à escala laboratorial, e que pretendemos que possam ser produzidos à escala industrial para futura aplicação e comercialização”, revelam. Já a chegada ao mercado e, especificamente, aos supermercados deste produto “irá depender de uma ou mais empresas que queiram produzir estas embalagens à escala industrial. A transposição de escala é possível e terá sempre que ser estudada/testada em parceria com a indústria, mas a nossa tecnologia é muito fácil de ser adaptada às estruturas tradicionais das empresas do sector”, garantem.