Ana Almeida é terapeuta da fala e uma mãe de dois rebentos: Diana, de 3 anos, e Marco, de 1 ano. Um caso de sucesso da inseminação artificial para o primeiro filho e puro acaso para o segundo, já não pensando hoje em anteriores ideais e sentindo-se completa e feliz com a família de quatro que construiu. Uma lutadora contra um aterrorizante Síndrome dos Ovários Poliquísticos e uma matrioska atenta e informada sobre cada fase do crescimento das crianças.
“Sempre quis ser mãe, desde muito nova dizia que queria ter três filhos. Agora com dois, percebi que é o meu tecto”, diz Ana Almeida, entre risos, uma terapeuta da fala de Santa Maria da Feira que enfrentou um longo processo até poder ter a filha mais velha, Diana, hoje com três anos. Diagnosticada com Síndrome dos Ovários Poliquísticos (SOP) em adolescente, depois de ciclos irregulares de menstruação e dores tão fortes que a deixavam sem dormir, começou a tomar a pílula na esperança de resolver o problema. “Regulou mas não resolveu, só camuflou o problema”, afirma. Anos mais tarde, em 2014, já com o companheiro de vida Daniel, começou a tentar engravidar e deixou a pílula. “Lembro-me que fui de férias em Agosto e em Setembro, como não estava menstruada, pensei que já estava grávida. O SOP, na minha ideia, tinha ficado lá atrás. Entretanto, fiz teste, deu negativo, no mês seguinte, novo teste, negativo, isto durante meses sucessivos, não me lembro quantos testes fiz, foram muitos. Comecei a desconfiar que algo não estava bem”, conta. Ao fim de 12 meses, “o tempo em que se deve tentar engravidar de forma natural”, decidiu procurar ajuda. “Quando não acontece, tanto a mulher como o homem devem ser estudados”, refere.
O batalhão de exames feitos no hospital público veio comprovar o que ela já sabia, mas nem por isso a notícia custou menos. “Sentia-me inferior, com vergonha, tentei a todo o custo esconder da família do meu marido porque tinha a certeza que não iriam compreender”, revela, chamando a atenção para as pessoas que habitualmente gostam de perguntar a um casal quando estão a pensar ter filhos. “Ao fim de uns anos de estarmos juntos, de termos uma relação em comum, as pessoas começaram a pressionar, “então quando é queres ter filhos?”. A mãe do meu marido estava sempre a perguntar e eu sentia-me muito mal porque toda a gente sabe que os tratamentos não são 100% eficazes e há muitas pessoas não conseguem ter filhos mesmo com ajuda médica. Até termos o primeiro positivo, passou um ano e o meu caso foi um caso de sucesso porque por norma demora mais tempo”, explica.
Acupunctura: o ajudante inesperado
Um ano de “sucessivos negativos” que desmoralizaram Ana Almeida. “Lembro-me que a pior fase foi depois do primeiro tratamento, íamos com as expectativas muito altas. No primeiro tratamento, eu tinha quatro óvulos e isso dava-me duas opções: ou interrompia o tratamento, porque já não dava para fecundar, ou ia para Fertilização in Vitro. Decidimos fazer FIV e custou muito foi quando veio negativo porque na FIV implanta-se o embrião e ficamos convencidos que temos um filho a ser gerado. Mas ao fim de 13 dias, eu não tinha nada. Ainda me lembro o quanto chorei quando me ligaram do hospital com o resultado”, recorda. Muitas inseminações depois, e quase a desistir, veio o positivo. “Um ano a injectar para estimular os ovários e nada estava a resultar e eu ia novamente para lista de espera de FIV, então o médico disse “enquanto estamos à espera, quer tentar uma última vez a inseminação?” e eu aceitei. Deram-me uma medicação diferente, lembro-me que desmaiei quando a tomei. Mas a verdade é que resultou”, afirma Ana Almeida, que acredita que as terapias alternativas que fez na altura, como a acupuntura e o reiki, também contribuíram para o sucesso. “Não está cientificamente comprovada a eficácia da acupuntura nestes casos mas tem tido bons resultados. Acho que ajudou”.
“Quando se é mãe, nada volta a ser como antes mas não trocava a vida dantes pela vida que tenho agora”.
A alegria foi “indescritível”. Antes mesmo de fazer o teste, a terapeuta da fala “sentiu” que estava grávida, uma dor no útero mas sem a habitual descarga que se seguia nas tentativas falhadas. “Desconfiei e mandei mensagem ao obstetra. Ele ligou-me a dizer que ia marcar o BETA HCG no hospital, a análise ao sangue para ver se estamos grávidas, mas eu recusei, estava farta de ver negativos, decidi fazer um teste rápido de farmácia e só depois fui ao hospital para a ecografia em que ouvimos pela primeira vez o coração a bater e foi… arrebatador”, conta. A gravidez, embora tranquila, foi composta de muitos enjoos. “Enjoei do início ao fim, não engordei quase nada porque não conseguia comer. Só quando ela nasceu o meu apetite voltou”, refere.
Procedimentos violentos
O dia do parto chegou e a hora foi “pequenina”, mas Ana Almeida não esquece a intervenção que lhe deixou sequelas. “Custou-me bastante a episiotomia que me fizeram sem consentimento. Continua a haver muita violência nos partos. Podiam ter-me avisado ou pedido autorização, mas nem informaram. Estive muito tempo a ser suturada por duas médicas internas. Nenhuma mulher nem nenhum ser humano tem de ser cobaia de especialidades médicas, tem de haver supervisão. Na altura não senti, estava anestesiada, mas durante três semanas, não me consegui sentar e fiquei, depois disso, com dores cada vez que tinha relações sexuais”, afirma Ana Almeida. Sobre a violência nos partos, refere ainda as manobras de empurrar o bebé para sair. “Fizeram algumas vezes aquela manobra de empurrar o bebé para nascer e só houve uma obstetra que me pediu autorização, o resto vinha e amassava. Uma dessas vezes, fiquei sem conseguir respirar, ela apertou-me tanto as costelas que se não saía de cima de mim naquele momento, eu acho que ficava ali”, aponta.
Assim que teve a Diana nos braços, o sentimento de amor incondicional foi instantâneo. “Chorei imenso. Senti, ao mesmo tempo, aquele amor incondicional e um medo incrível. “Meu Deus e agora? Já não dá para voltar atrás, está completamente dependente de mim”. Senti-me perdida”, conta. No hospital, ainda teve o apoio das enfermeiras, mas quando chegou a casa, estava por sua conta. “Quando nasce um bebé nasce uma mãe”, salienta. O principal desafio dos primeiros meses? As cólicas. “A Diana chorava muito com cólicas, tentámos várias estratégias para a acalmar. Os médicos, quando os bebés choram sem razão aparente, dizem que são cólicas. Depois de ler muito, descobri que as cólicas não passam de excesso de estímulos ao longo do dia. O bebé tem de comer e dormir nos primeiros tempos mas, claro, recebemos visitas e elas gostam de pegar e tirar fotografias. Esta agitação acaba por se transformar em cólicas. Acabam por passar por volta dos três, quatro meses porque é a fase em que eles saem totalmente do nosso útero. Nos primeiros três meses, fala-se do 4.º trimestre da gravidez, em que o bebé se está a adaptar ao mundo exterior”, diz Ana Almeida.
Não existem coincidências
Dois anos depois de uma viagem turbulenta até ter a Diana, o segundo filho veio por acaso. “Continuei sem menstruar depois de ter a Diana e eu e o meu marido tínhamos relações desprotegidas porque antes disso nunca tinha engravidado de forma natural. Nessa altura, também estava a fazer acupuntura. Não sabemos como, mas não precisei de intervenção médica para engravidar”, afirma. A gravidez do menino foi em tudo similar à anterior, com enjoos tão intensos que havia dias “em que nem conseguia falar, o sabor na boca era muito desagradável”. O parto, por outro lado, foi totalmente diferente. “O parto do Marco foi natural, não levei epidural por causa das injecções que estava a tomar devido a problemas de coagulação. Quando as águas rebentaram, tive medo, liguei ao meu obstetra e ele disse “vai ser um parto à moda antiga”. Mas correu bem, apesar da dor indescritível, uma dor animal, mas só durou 10 minutos. Antes disso, estive a fazer trabalho de parto com bola de Pilates, com água quente nas costas, não fui obrigada a estar deitada, fui muito respeitada no privado”, conta. Em 10 minutos, o Marco nasceu e a dor passou. “A dor passou na hora. Se me perguntassem se eu precisava de epidural para ter a Diana, se soubesse o que sei hoje, não queria. No parto da Diana, diziam-me para puxar e eu não sentia nada. No Marco, ninguém me precisava de dizer nada, é como se estivesse na memória das células, de gerações anteriores, eu tinha consciência que mal ele saísse, aquela dor desaparecia, e assim foi”, afirma, acrescentando que um parto natural é “meio caminho andado para uma recuperação extraordinária”.
A recuperação foi mais fácil, o contexto nem tanto. “O Marco nasceu no início de uma pandemia, é um bebé pandémico, chora quando vê pessoas. A pandemia rebentou em Março de 2020 e o Marco nasceu em Maio de 2020, no pico da pandemia, foi um pesadelo.“Meu Deus, o que será isto? Se eu apanho isto, o que será de nós? Se eu apanho e não me deixam amamentar?” Foi um dos meus maiores medos porque não se sabia nada sobre o vírus”, recorda.A decisão de ter o bebé no privado deveu-se sobretudo à medida que foi implementada de fechar as portas do bloco aos pais. “Os hospitais públicos começaram a impedir a entrada do pai no parto, o que não é correcto,é uma afronta à mulher”, afirma. Quando o bebé nasceu, as portas que se fecharam foram as de casa. “Fechei-me em casa nos últimos tempos, só o Daniel ia à rua. Quando ele chegava do trabalho, entrava sem roupa dentro de casa, tomava banho e só depois vinha para a nossa beira. Estávamos todos em pânico”, revela.
Baby Led Weaning e SOS Alimentação
Como terapeuta da fala e como mãe, Ana Almeida sempre se manteve informada sobre todos os assuntos que dizem respeito às crianças. Fez formações em Baby Led Weaning, que incentiva os pais a preterirem as papas em relação à descoberta dos alimentos naturais, e sobre amamentação, tornando-se, inclusive, conselheira de aleitamento materno. “Sou voluntária da SOS Alimentação, a linha que apoia mães em Portugal. Muitas mães chegam com os mesmos problemas que eu tive. Algumas levam avante a amamentação, outras acabam por desistir pelas opiniões que vão ouvindo das pessoas que têm à volta”, diz Ana Almeida, lembrando o dilema das opiniões contrárias. “Toda a gente diz uma coisa diferente, “se fosse eu fazia isto, não sei quem fez aquilo”. Sobre o sono, toda a gente opina, “tem um mês e ainda não dorme a noite toda? O meu já dormia”. A minha filha vai fazer 4 anos e volta e meia ainda me chama de noite, o Marco tem 1 ano e ainda hoje acordou três vezes. As comparações só servem para nos deixarem culpadas por não estarmos a fazer igual ao vizinho. Mas às vezes até experimentamos fazer igual a ele e com o nosso filho não resulta. Tem de haver mais compreensão”, afirma, sublinhando que “o importante é que a mãe esteja bem, seja a amamentar ou a dar biberão. Defendo a amamentação mas também defendo a sanidade mental das mães. Há quem não tenha capacidade ou não queira dar o leite materno”, refere.
“Defendo a amamentação mas também defendo a sanidade mental das mães”
Para a terapeuta da fala, nem sempre os pediatras ajudam nesta área. “Os próprios pediatras não vão ao encontro do que queremos. Com a Diana, eu queria amamentar e tinham era de me ajudar, não era oferecer biberão. Dizem que todos os bebés têm de estar num determinado percentil, não é verdade, a Diana era percentil 3 quando nasceu e só tinha de manter o percentil dela. Mesmo com introdução da alimentação complementar, andou no percentil 3 até aos 8/9 meses, por isso não era do leite, como diziam. Comia muito bem mas não era menina de engordar. Hoje, é uma menina alta que, com 3 anos, está a vestir roupa de 5/6”, lembra sobre o preconceito do peso do bebé. “O peso do bebé é um peso sobre as nossas costas.Cheguei a pesar a Diana quatro vezes numa semana porque fui orientada para isso. Imaginem a pressão sobre estas mães. A Organização Mundial da Saúde diz que não é necessário pesar os bebés todas as semanas mas as mães continuam a ser aconselhadas no centro de saúde, nos pediatras, a fazer isso e é muito violento para uma mãe que está a tentar ser mãe”, aponta.
O que gostava que lhe tivessem dito antes de ser mãe? “Gostava que alguém me tivesse dito que a relação ia sofrer uma adaptação muito grande. Ou a relação está sólida ou termina ao fim de poucos meses ou ao fim de alguns anos quando as crianças já não são tão dependentes dos pais. Um filho não vem para unir ninguém, nos primeiros meses, um filho separa, não une. O casal tem de perceber que essa separação é momentânea e ao fim de alguns meses a união volta com ainda mais força”, diz. O mais difícil é mesmo o primeiro ano. “Noites mal-dormidas, cansaço acumulado, o bebé é muito dependente para tudo, é um desgaste muito grande porque acabamos por nos anular”, refere. “Completa e cansada”, como se define, Ana Almeida diz que o mais desafiante na maternidade é criar um ser humano que está a desenvolver a sua própria personalidade e lamenta os preconceitos implementados que geram “culpa” em tantas mães. “Tudo o que as mães sentem é válido e, se precisarem, procurem ajuda profissional e qualificada. A minha família tem ajuda psicológica semanal e foi a melhor decisão que tomamos. Atrevo-me a dizer que devia ser obrigatório ter um psicólogo de família em Portugal”, salienta, rematando: “Quando se é mãe, nada volta a ser como antes mas não trocava a vida dantes pela vida que tenho agora”.