Normalmente, o editorial é dedicado ao tema de destaque do mês, mas circunstâncias extremas obrigam, moralmente, a que dedique este pequeno espaço de intervenção a um acontecimento que nos deixou a todos em choque e em xeque. A guerra voltou à Europa. Parece impossível, ainda nem um século passado, que nos voltemos a defrontar com a sede de poder de um ditador em subjugar outros povos à sua mercê e vejamos a palavra supremacia soletrada a lágrimas, medo e sangue de quem só queria ser livre. Os livros de história ganharam vida, da pior forma, e nós, europeus, assistimos impávidos e muito pouco serenos ao conflito que se vai desenrolando entre a Ucrânia e a Rússia.
Vladimir Putin aponta motivos falsos para esta invasão injustificada, sabendo o mundo que os seus motivos se baseiam apenas numa paranóia que ficou da Guerra Fria de não perder o controlo das suas fronteiras face a hipotéticos avanços dos EUA. Sem entrar em debates sobre a pertinência das preocupações relativamente à América, que em nada é inocente, a Ucrânia vê-se, como se tem visto durante anos, no meio de uma problemática para a qual não quer contribuir. Os ucranianos querem apenas o direito de viver num país democrático, fazer as suas vidas, estar com as suas famílias, contribuir para a sua pátria. O que Vladimir Putin quer, contudo, é recuperar o império soviético numa visão própria que apenas a ele lhe assiste de que a Ucrânia sempre pertencerá à Rússia.
Ao desencadear uma guerra em que ninguém queria acreditar quando começou, Putin esqueceu-se que não estamos em 1939. Esqueceu-se que hoje as guerras não se travam apenas em diferentes frentes físicas, cercando cidades e população, mas sim em muitas frentes digitais e a informação também é poder. Caíram por terra as campanhas pré-preparadas de desinformação que tinha tão cuidadosamente articulado e pelo mundo todo as vozes insurgiram-se contra este acto de violência bárbaro. Os EUA e a UE rapidamente começaram a articular sanções e muitos países a eles se juntaram nas críticas e medidas, inclusive, pasme-se a China e o Afeganistão, que ergueram preocupações sobre as acções em curso.
De todo este conflito, surge um inesperado herói, Volodymyr Zelensky, o presidente da Ucrânia. Comediante, participante do Dança com as Estrelas, chamado de tudo e mais alguma coisa, mostrou-se um homem de carácter ímpar, que literalmente vestiu o colete e foi para a frente da batalha. Ofereceram-lhe todas as escapatórias possíveis, tinha um transporte americano seguro para fora do país que, tenho a certeza, muitos políticos portugueses no seu lugar teriam aceitado sem hesitar deixando o povo e o país à mercê do inimigo invasor. Ele, porém, disse que “não precisava de boleia, precisava de munições”. A UE entendeu o recado e muitos países, primeiro individualmente e depois colectivamente, providenciaram armamento. Este é um conflito em curso, pouco mais há a fazer pela Ucrânia, como cidadãos comuns, neste momento do que aumentar a consciência e prestar ajuda humanitária. Para quem acredita, rezar ajuda. Rezar e pedir para que a guerra seja apenas um momento terrível e breve num tempo em que ainda estamos todos tão fragilizados de uma pandemia que devastou o mundo.
Daniela Castro Soares
Directora editorial Magafone