São um dos casais mais divertidos a popular as redes sociais e são também um caso sério de amor com cinco anos de relação. Ambos do mundo das artes, cruzaram-se diversas vezes até finalmente trocarem o primeiro beijo na pista do Lux e desde então já gravaram músicas, fizeram televisão e restauraram uma casa rural juntos. Maria Sampaio e Gonçalo Cabral são a Terra e a Água que se complementam e gostavam agora de aumentar a família. Como estreia para a Maga, partilharam a fundo a sua jornada com os tratamentos de FIV, as hormonas e embriões que não pegaram e a montanha-russa de emoções subjacente a todo o processo.
“A primeira vez que nos conhecemos eu tinha 19 anos, a Maria 25, tínhamos ido ter com um amigo e lembro-me da Maria a chegar de top e calções, num dia de muito calor, parecia aquele slow-motion do Marés Vivas”, brinca Gonçalo Cabral, sobre uma memória que claramente lhe ficou impregnada. Conheciam o trabalho um do outro e cumprimentavam-se sempre que os seus caminhos se cruzavam, mas foi só quando ambos se encontraram no Lux, durante uma matiné em homenagem a David Bowie, que o “clique” aconteceu. “Eu fui com umas amigas, ele foi com o irmão gémeo, André, e lembro-me de o ver sozinho e chamá-lo para dançar. Começámos a dançar, a ficar cada vez mais juntos e… aconteceu”, conta Maria Sampaio. “Agarramo-nos um ao outro e nunca mais nos largamos”, acrescenta Gonçalo Cabral.
Uma percepção imediata do sentimento que os unia. “No dia a seguir de manhã, liguei às minhas melhores amigas e disse “meninas, acho que vou casar”. Quando é um beijo sentido, percebe-se, é a primeira coisa que liga as pessoas. Há um encantamento que não sabes de onde vem, uma coisa sobrenatural, como é que de um dia para o outro um estranho passa a ser uma pessoa que tu não queres largar mais?”, atira Maria Sampaio. Um “à vontade” em conjunto difícil de explicar. “A primeira vez que dormimos juntos não houve aquele momento estranho. Mandávamos constantemente mensagens um ao outro muito lamechas, mensagens que se esta relação não fosse para ser, a pessoa fugia”, brinca Maria Sampaio.
“Agarramo-nos um ao outro e nunca mais nos largamos”
Quando a época alta terminou, nenhum dos dois queria regressar a casa e eis que surge uma proposta inesperada: co-gerir um hotel nos arredores de Londres, Inglaterra. Com apenas uma mochila de roupa para cada um, sem saber o que os esperavam, o casal, que contava apenas com sete meses de relação, aceitou a oportunidade e emigrou, à procura de novas experiências e crescimento pessoal e profissional. “Já tínhamos saído de casa mas tinha sido sempre temporadas. O maior desafio foi começar a nossa vida adulta, com renda para pagar, ter de fazer planos, nós que nunca fizemos planos para nada”, afirma Nikita Botelho, sublinhando que emigrar ensina sobretudo “com quem podemos contar. Só quando estás longe é que vês quem te liga, quem te manda mensagem, quem procura”, refere. O mais difícil de gerir? “As saudades”, revela Joaquim Botelho, ao que a esposa acrescenta: “Quando alguém diz o teu avô está doente, a tua melhor amiga faz anos e tu pensas eu não posso ir a Portugal agora, este dinheiro que temos de lado não é para isso. A vida de emigrante não é para toda a gente. Estivemos 3/4 anos emigrados, crescemos imenso a nível profissional”.
Sempre juntos mas respeitando o espaço de cada um
Já estavam a viver juntos desde o início da relação e todos os casais têm aquelas “pequenas coisa” que desconcertam, como a roupa espalhada pela casa ou o lixo da casa-de-banho. “Quase tudo o que nós, mulheres, fazemos é invisível e quando ele diz “nunca trocas o lixo da casa-de-banho”… Aquilo irrita-me porque faço uma tonelada de outras coisas”, diz Maria Sampaio, olhando para o marido com um sorriso e acrescentando depois: “Queremos que o outro seja à nossa imagem e nunca vai ser, mas é importante traçar limites. A pessoa não tem de mudar, mas há coisas em que tem de ceder quando está com outra”.
São o tipo de casal que “está sempre junto”, mas quando estão em casa cada um tem o seu próprio espaço. “O meu é na mesa, o dela é no sofá”, diz Gonçalo Cabral. Ambos trabalham no mundo das artes e embora se tenham destacado pelos seus trabalhos individuais, recentemente colaboraram em projectos conjuntos. Já gravaram músicas, fizeram anúncios publicitários e foram jurados no programa All Together Now. “Eu gostava de fazer uma novela ou uma peça com ele”, atira Maria Sampaio, ao que Gonçalo Cabral torce o nariz. “Não sei…”, diz. O mais recente projecto foi a casa rural que recuperaram no Gerês, um projecto que começou durante a pandemia e ao qual Maria Sampaio tem uma forte ligação emocional. “Tinha o sonho de pegar na casa que era do meu pai”, diz Maria Sampaio. “Achei imensa piada ao projecto, a Maria tem jeito para a decoração, vê uma tela em branco e sabe como quer pintar”, complementa Gonçalo Cabral.
Um investimento que está a correr bem. “Nem consigo ainda abrir a um público maior porque graças ao boca-a-boca temos a casa cheia e esse é o espírito que quero manter”, afirma Maria Sampaio. Não contaram com qualquer apoio estatal e usaram as poupanças de anos asseguradas. “Como a Virgem lá de casa, estou sempre preparada para qualquer catástrofe. Desde que decidi ser actriz, uma vida muito precária, tive consciência que tinha de ser como as cigarras, guardar agora para mais tarde quando precisar. Juntos conseguimos ir fazendo um pé-de-meia para não ficarmos desamparados”, conta Maria Sampaio. É, aliás, um estilo de vida. “Mesmo na nossa casa em Alenquer, aproveitamos muita coisa, comprando em 2.ª mão, e com a roupa é igual”, diz Gonçalo Cabral.
Racismo “estrutural” ainda persiste
Um casal unido que diverte os seus seguidores com a sua boa-disposição e cumplicidade características mas não é alheio à discriminação inerente a um casal interracial. “O racismo está em todo o lado. O Gonçalo pode falar melhor sobre isso porque é ele que sofre mas às vezes sinto que quando ele fala as pessoas desvalorizam, mas se eu intervier, as pessoas já ouvem, e a isso chama-se white privilege”, salienta Maria Sampaio. O marido lembra alguns comentários quando a primeira entrevista do casal saiu para as bancas: “ele é muito giro, mas não tem cana do nariz” ou “como assim andas com um barrote queimado?”. “Nenhum branco, nem aquele que diz que tem amigos negros, tem consciência. Mesmo vivendo com ele, há muita coisa que eu própria ainda não tenho consciência. A primeira coisa que um branco diz é “eu não sou racista”, mas a base deve ser questionar “será que eu sou racista?”. Eu faço essa autoanálise todos os dias: “será que estou a ser preconceituosa?”. Para isso acontecer, o assunto [racismo] tem de ser falado”, sublinha Maria Sampaio.
““Um negro mesmo rico passa preconceito em certos sítios que um branco nunca vai passar mesmo que seja pobre e bem vestido”
Gonçalo Cabral não esquece quando ele e o irmão eram os únicos miúdos negros na turma da escola ou no grupo de amigos e, sobretudo, não esquece um episódio que o marcou profundamente. “Uma vez estava a trabalhar num festival e revistaram-me à porta, abriram-me a carteira, tiraram os cartões e viram o cartão em que a Maria era a titular da conta e perguntaram “Quem é a Maria Sampaio?”. Aí, confesso, não encaixei muito bem a situação”, diz. A esposa acrescenta que não foi caso único, por causa do carro (Mercedes) que Gonçalo Cabral conduz, as autoridades perguntam, antes de qualquer coisa, “Este carro é seu?”. “É um racismo estrutural”, diz Gonçalo Cabral. “O preconceito existe”, reforça Maria Sampaio, mesmo que seja um preconceito “inconsciente” de querer apresentar um amigo com a mesma cor da pele. “As pessoas dizem “eu não vejo cor” mas a primeira coisa que me dizem quando apresento a minha sogra é “também tenho uma amiga…”. Eu não conheço um branco e digo ao outro “tens de conhecer o meu amigo branco”. Um negro, mesmo que seja rico, passa preconceito em certos sítios que um branco nunca vai passar mesmo que seja pobre e bem vestido”, afirma.
Problema de saúde obrigou à retirada das trompas
Juntos nos bons e nos maus momentos, encontram-se agora a tentar aumentar a família. Algo dificultado pelo problema de saúde que Maria Sampaio enfrentou aos 25 anos e que lhe deixou marcas. “Tive uma peritonite aguda nos intestinos, estive 15 dias internada, entre a vida e a morte, e passados alguns meses desse tratamento, quando fiz novamente exames, constataram que tinha uma hidrossalpinge. Aos 25 anos, tive de retirar as duas trompas. A partir desse dia, sabia que quando quisesse ter filhos, tinha de fazer Fertilização In Vitro (FIV)”, conta Maria Sampaio.
Como suporte, tem um grupo virtual de cerca de 100 mulheres “a passar por situações semelhantes. Têm sido o meu ombro amigo, vou lá chorar. Cada caso é um caso e ainda vamos ser muitas mais. O mundo está diferente, estamos a ter filhos muito tarde, batalhamos com tempo, alimentação, stress”, refere, salientando que os homens também têm de estar atentos às questões de fertilidade. “Há muitos homens com reticência em fazer espermograma, nem querem ir ao médico porque têm medo da infertilidade ser da parte deles mas é muito comum o esperma ser preguiçoso, haver pouca quantidade de esperma. Os dois lados têm de ser analisados”, realça.
“Tenho a certeza que muitas mulheres decidem abortar porque não têm condições para ter aquele filho”
No caso de Maria e Gonçalo, souberam desde o início que fariam todo o processo no Serviço Nacional de Saúde (SNS). “Quando casámos, decidimos que queríamos fazer no público. Eu tenho direito, pago impostos e é impensável pagar cinco mil euros no privado quando tenho direito no público. Quero que o SNS dê melhores condições às mulheres. Há mulheres que não têm condições económicas para fazer tratamentos no privado e, mesmo assim, no público só podemos fazer até três tratamentos e até uma certa idade. Há pessoas que num ciclo não conseguem um único embrião e aí perdem logo um tratamento”, explica. Isto sem falar nas pessoas que “precisam de doação de óvulos, de esperma, e no público são listas de espera gigantes. Em Portugal, há uma falha gigante no apoio financeiro. Tenho a certeza que muitas mulheres decidem abortar porque não têm condições para ter o filho. Custa muito a mulheres que estão a passar por isto ver que se pode fazer 10 abortos seguidos mas não se pode fazer mais do que três tratamentos de fertilidade”, refere.
No caso de Maria e Gonçalo, souberam desde o início que fariam todo o processo no Serviço Nacional de Saúde (SNS). “Quando casámos, decidimos que queríamos fazer no público. Eu tenho direito, pago impostos e é impensável pagar cinco mil euros no privado quando tenho direito no público. Quero que o SNS dê melhores condições às mulheres. Há mulheres que não têm condições económicas para fazer tratamentos no privado e, mesmo assim, no público só podemos fazer até três tratamentos e até uma certa idade. Há pessoas que num ciclo não conseguem um único embrião e aí perdem logo um tratamento”, explica. Isto sem falar nas pessoas que “precisam de doação de óvulos, de esperma, e no público são listas de espera gigantes. Em Portugal, há uma falha gigante no apoio financeiro. Tenho a certeza que muitas mulheres decidem abortar porque não têm condições para ter o filho. Custa muito a mulheres que estão a passar por isto ver que se pode fazer 10 abortos seguidos mas não se pode fazer mais do que três tratamentos de fertilidade”, refere.
Começar tudo outra vez
Entraram na lista de espera mal regressaram da lua-de-mel e demorou um ano até serem chamados, estando agora a ser seguidos no Centro de Infertilidade e Reprodução Medicamente Assistida (CIRMA) do Hospital Garcia de Orta. “Chamaram-nos em Setembro de 2019 e comecei as injecções um mês depois. A primeira introdução foi em Novembro, conseguimos quatro embriões, um introduzimos, os outros três congelámos. Deu positivo, achei que estava grávida, mas os níveis estavam baixinhos e médico alertou que havia risco de perder… e perdemos”, afirma Maria Sampaio. “E perdemos sempre”, refere Gonçalo Cabral, não escondendo a tristeza. Desde então, tentaram mais três vezes, duas em Agosto e uma Setembro do ano passado, mas sem sucesso. “Sempre que fazemos introdução, colocamos mais hormonas no corpo, engordamos, ficamos rabugentas, a barriga incha e as pessoas na rua acham que estou grávida”, conta. Sempre que perguntam, ela responde “estou a tentar, mas tive um aborto esta semana. Sempre falei e acho importante falar porque a dor não tem de ser vivida sozinha”, sublinha.
Agora é “começar tudo outra vez. Não quis fazer logo, quis descansar o corpo. Não sei até quando tentarei, não quero perder a minha vida e sanidade mental nisto. Admiro imenso mulheres que lutaram 10 anos e no 10.º ano conseguiram, mas depois também há mulheres que nem 10 anos depois conseguem. Só existe FIV há 40 anos, o que na medicina é pouco, e há muita coisa que os médicos não sabem”, afirma. No futuro pessoal, vêem crianças mas o importante é manterem-se o porto de abrigo um do outro. E, claro, continuar os projectos profissionais. “Eu gostava de montar o meu próprio espectáculo com o meu irmão gémeo com dança, teatro, música”, diz Gonçalo Cabral. Já Maria Sampaio não esconde a grande lista de coisas que quer fazer. “Gostava de trabalhar com o Herman José, com o Bruno Nogueira, fazer mais comédia, investir mais nas minhas redes sociais, onde posso criar o meu próprio mundo, divertir as pessoas e falar sobre assuntos relevantes… Sobretudo gostava que o meu país valorizasse mais o meu trabalho. E quero fazer música, já estou a fazer, o álbum vai sair”, atira, com a sua boa-disposição característica e um olhar para o marido. “Olhem para este sorriso…”.