
Vencedora Prémio Literário Revelação Agustina Bessa-Luís 2020
“- Fazíamos uma experiência em psicologia social.
– Qual era?
– Entras num elevador cheio de gente e viras-te para a direção oposta, para a parte de trás do elevador. Todos se passam. Sentem-se desconfortáveis por razões que nem conseguem articular. Se te virares e olhares para a frente, todos ficam tranquilos.”
Este diálogo dá-se na série Mindhunter (Caçador de Mentes), de David Fincher. Acompanha dois agentes que tentam prevenir crimes ao entrevistar assassinos para estudar o que desencadeia os comportamentos desviantes.
Este diálogo materializa o conceito de conformismo social de Asch que, em 1951, demonstrou o poder das regras de um grupo – ou porque se cala o que contraria a opinião dominante. O conceito mantém-se actual em tempos de grande polarização.
E o diálogo continua:
“- O que nos une? O que não nos deixa dormir de noite?”
Na aparente simplicidade destas perguntas – importante é perguntar – está imersa uma teia feita rizoma. Olhando um conjunto de raízes, admiro as múltiplas ramificações, a diversidade dos sentidos em que crescem. Juntas, alimentam o mesmo corpo. Por vezes entrelaçam-se com raízes de outro corpo. Deste embate podem resultar duas consequências: 1) partilham os recursos para crescerem mais saudáveis, multiplicando forças; 2) o corpo dominante absorverá mais água, potássio, fósforo, enfraquecendo o outro.
Eis o impacto que nasce da colisão entre dois (ou mais) corpos. Quando embatem, não são exatamente os mesmos que foram antes. Deu-se o efeito de uma influência, de uma ação. Somos a transformação pela qual passamos em contacto com quem nos rodeia, em contacto com o que nos rodeia – copo antigo, lenço florido, pintura na parede – num mundo pouco maior do que uma casa.
Seria bom não esquecermos o impacto do que pensamos, antecâmara da acção. Do impacto do que pomos em marcha: um ímpeto pode mudar tudo. E em duas raízes que trocam alimento bom cresce a coragem para tocar a nuvem.