Advogada especializada em direitos das mulheres na gravidez e direitos parentais laborais, Marta Esteves enveredou por esta via depois de perceber as dúvidas e falta de conhecimento que tantas pessoas apresentavam. Hoje, fala com experiência de causa, tendo ela própria experienciado já as alegrias e angústias da maternidade. Uma montanha-russa de emoções ainda na gravidez, mas que não passaram de sustos de um bebé chamado Tomás que traz novos desafios em cada fase por que passa.
Uma daquelas meninas que gostava de brincar às casinhas e fazer de conta que os Nenucos eram os bebés que tinha ao seu cuidado, Marta Esteves confessa, porém, que “tudo” o que achava que sabia sobre a maternidade estava errado. “À excepção daquele conceito de o filho ser quem eu vou gostar mais na vida, tudo o resto foi diferente. Ideias, expectativas irrealistas…. Lembro-me quando tive o Tomás de dizer que só ia dar de mamar até aos seis meses. O meu filho tem mais de 2 anos e continuo a amamentar. Uma coisa são as expectativas e outra é a realidade”, frisa. Um bebé muito “desejado e planeado”, mas, salienta a advogada, para o qual devia ter feito uma preparação emocional prévia. “Foi planeado porque nos sentamos, decidimos que queríamos ter um filho, fomos à consulta de planeamento familiar, comecei a tomar ácido fólico, mas na verdade não houve um trabalho de preparação emocional para os desafios de ter um filho”, refere.
A gravidez foi tranquila em termos de sintomas, “nada de enjoos, nem desejos, apenas muita fome. Se me dessem de comer estava feliz. No dia em que o Tomás nasceu, atingi o peso máximo de 30kg”, diz Marta Esteves. Uma “dor ali, um desconforto acolá”, mas o que mais custou foram os “sustos” que o bebé foi dando aos pais. “No final do primeiro trimestre, fizemos o rastreio para detectar más formações congénitas no bebé e o resultado veio positivo nos dois exames. Foram umas semanas de muita angústia e ansiedade”, conta. Havia a hipótese de fazer uma amniocentese, mas “com 2/3% de risco de perda”, a advogada não quis arriscar. “Avançámos para o exame de ADN fetal, um exame de sangue, que acabaria por dar negativo. É mais rápido e menos invasivo, mas é um exame não comparticipado pelo Sistema Nacional de Saúde, não está acessível a todas as pessoas, é muito dispendioso e quem não tiver essa capacidade económica tem de aguardar para fazer a amniocentese que não se pode fazer logo e depois demora três semanas para saber o resultado. Nesse sentido, percebo o privilégio que tive”, afirma.
Naqueles dias até saber o resultado, a ansiedade do casal estava ao rubro. “Querer ter respostas e não conseguir, fazer planos quer o resultado fosse de uma forma, quer fosse de outra, e gerir isto tudo em casal… não foi fácil”, enumera. Pelo menos, diz Marta Esteves, a notícia “não foi dada de forma abrupta. Às 11/12 semanas, a obstetra na ecografia em consultório fez as medições do bebé e apercebemo-nos que havia determinados factores de risco. Para um resultado positivo de trissomia 21, existem três marcadores – translucência da nuca, índice de pulsatilidade do cordão umbilical e os ossos do nariz. O que me deixou descansada foi conseguir ver-se os ossos do nariz, que era muito importante, mas ainda assim tínhamos os outros dois. Nunca estamos preparados para ouvir que temos um rastreio positivo, mas já tínhamos tido os sinais. Felizmente, não passou de um susto”, afirma Marta Esteves. Um susto que trouxe outro logo de seguida. “Os bebés que testam positivo e depois não têm trissomia 21 têm uma grande probabilidade de ter uma cardiopatia congénita, então tivemos de esperar pelas 23 semanas para fazer um ecocardiograma ao bebé. Também não tinha nada, mais um susto. Tudo isto foi bastante complicado de gerir emocionalmente. O Tomás está nos 15% que a ciência não sabe explicar”, diz Marta Esteves, comentando que “já tiveram o test-drive aos nervos de aço” dos recém-pais.
Emoções ao rubro no regresso a casa
Já no final da gravidez, a advogada começou a sentir algumas contracções e no Dia da Mãe o pequeno Tomás ameaçou um parto prematuro, mas depois “mudou de ideias. Este caminho todo da gravidez, sem um trabalho emocional prévio, fez com que a minha ansiedade disparasse e no final eu tinha muitas contracções com alguma dor, mas que não eram trabalho de parto. Estava cansada de estar grávida e dei ordem de despejo ao meu filho”, afirma Marta Esteves, rindo. Conversou com a obstetra e às 39 semanas e dois dias, naquela que foi uma decisão conjunta e informada do casal, escolheram induzir o parto. “Acabou por não funcionar. Como tinha dito à minha médica que não queria estar horas a fio a induzir e que preferiria, se a indução não tivesse efeito, optar por uma cesariana, acabamos por avançar por essa via”, conta.
Um parto que correu bem e que trouxe consigo uma nova fase, um bebé para cuidar. “Era tudo novo. Lembro-me que saí do hospital num domingo e todo o caminho do quarto do hospital para a garagem e depois para casa fui a chorar, sem saber porquê, era uma emoção tremenda, o começo de uma vida nova, com muito medo”, revela. Nos momentos de maior aflição, revela Marta Esteves, socorreram-se de uma frase que uma das enfermeiras lhes tinha deixado: “o bebé não parte nem desengonça, podem mexer à vontade”. Cada nova fase do pequeno Tomás traz consigo diferentes desafios. “Dou por mim a pensar ‘eu achava que aquilo é que era desafiante, quando ele chorava e não sabíamos o que tinha’. Eu fui daquelas mães com pânico dos germes e das viroses e punha as visitas a desinfectar as mãos, por isso as normas de higiene da Covid-19 não me trouxeram nada de novo”, afirma, rindo. Hoje, os desafios prendem-se com as birras de quando “não se quer vestir, não quer trocar a fralda. É um ser com vontade própria e temos de gerir, neste momento, os chamados terríveis dois anos. O desafio é aceitar o que não conseguimos fazer. Se ele quiser ir com camisola vermelha e calças verdes, é deixar”, diz.
O sono tem sido também uma das principais lutas para Marta Esteves e o marido, assim como para muitos recém-pais. “Nas cólicas tivemos sorte, ele praticamente não teve cólicas, às vezes tinha um pequeno desconforto, mas fazíamos massagens e acabava por passar. Não sei realmente o que é um bebé chorar com cólicas. O sono já é outra questão. O Tomás começou a dormir a noite toda com dois meses, o que impactou na amamentação, comecei a ficar com ingurgitamento até a produção de leite estabilizar. Quando eu regressei ao trabalho, ele tinha quatro meses, regressaram também os despertares nocturnos… até hoje”, conta Marta Esteves. Uma gestão complicada do “cansaço de ter um bebé pequenino, regressar ao trabalho, deslocações no trânsito para ir deixá-lo e buscá-lo à mãe. Depois veio a Covid-19. O primeiro confinamento foi desgastante porque eu e o meu marido estávamos os dois em teletrabalho e eu tive muito trabalho nessa altura porque, no âmbito dos direitos laborais, os clientes estavam todos a pedir ajuda com os lay-offs. Estar em casa, porém, ajudou a acompanhar o crescimento do Tomás até ele fazer um ano”, realça Marta Esteves, que acredita que “a maternidade é um grande processo de desenvolvimento pessoal. Aprendemos tanta coisa, mas principalmente a confiar no instinto e no bebé. E, claro, ensinou-me também sobre o amor incondicional, dar a vida por outra pessoa”, refere. Quando ele crescer, revela, gostava que se lembrasse da mãe como alguém que “sempre esteve lá para ele, que o ajudou a ser a pessoa que é, sobretudo que os pais estiveram lá para o apoiar em todas as escolhas que ele quis tomar. Costumo dizer que ele pode ser tudo o que quiser, menos do Benfica”, afirma, entre risos.
Dúvidas das mães levaram a especialização
O Tomás acabaria por ser o impulsionador da especialização profissional da mãe. “[A especialização em direitos da mulher na gravidez e direitos parentais laborais] acaba por ser algo que o processo de maternidade me trouxe, há realmente uma Marta antes e uma Marta depois da maternidade. Comecei a perceber que existiam muitas mulheres com muitas dúvidas e se fizéssemos pesquisa no Google apareciam respostas contraditórias. A própria Segurança Social tem um site com linguagem muito técnica e não acessível a toda a gente. Eu já tinha esta ideia antes de ser mãe e depois realmente percebi que o maior presente que podemos dar aos nossos filhos é estarmos presentes, logo tudo o que pudermos fazer para conjugar a vida profissional com a pessoal é excelente”, refere a advogada, que se empenha em “passar a informação para os pais dos mecanismos legais ao seu dispor para conjugar estas duas dimensões”.
As clientes que a procuram, maioritariamente mães, carregam em si várias dúvidas: “Pedem ajuda para resolver questões relativas ao pai da criança; se trabalham por turnos, perguntam como podem pedir horário flexível; questões relativas ao teletrabalho, depois de ele deixar de ser obrigatório, se a empresa pode recusar ou não; e questões relacionadas com o horário de amamentação”, enumera. Antes mesmo do nascimento da criança, há também uma série de questões a ter em conta relativas aos direitos das mulheres na gravidez e no parto. “Aqui entra uma verdadeira conciliação da minha experiência pessoal com a experiência profissional. Ainda que tenha sido acompanhada pela obstetra que escolhi e não tenha qualquer razão de queixa (todas as escolhas que tomei com a minha médica foram informadas e respeitadas), os sustos que fui tendo durante a gravidez levaram-me, por diversas vezes, às urgências do centro hospitalar da minha zona de residência e aí a minha experiência foi o oposto. No início, custava-me pensar ‘será que eu fui vítima de violência obstétrica?’, porque sou uma pessoa bem informada, mas a verdade é que ficamos tão vulneráveis durante a gravidez que não importa o quão informadas estamos, apanha todas a eito, é sistémico”, explica Marta Esteves, afirmando peremptória: “Acabei por ser vítima de violência obstétrica e isso impactou-me a nível psicológico. Acho, inclusive, que às vezes quanto mais informada a mulher estiver e se essa percepção passar para os profissionais de saúde, pior é”.
Partilha de experiências no Instagram
Todos estes temas são abordados por Marta Esteves na sua página de Instagram, “um mix da vida pessoal e profissional. Não sou só a Marta advogada nem só a Marta mãe, sou todas estas dimensões que acabam por se cruzar”, refere. O que acabou por ser uma “partilha de experiências da maternidade” tornou-se numa comunidade forte e num veículo de comunicação para angariar novos clientes. “Servia como partilha de experiências porque não tenho pessoas próximas que são mães. Fui a primeira das minhas amigas a casar e a ter filhos, eu e o meu marido somos os mais velhos das respectivas famílias, não há sobrinhos, então a maternidade acaba por ser solitária, não há ninguém com quem partilhar. A página foi um processo terapêutico, acabei por conhecer outras mães, perceber que as dificuldades que eu estava a sentir eram comuns, que os despertares nocturnos quando a mãe regressa ao trabalho são normais. Mesmo com as famílias que acompanho a nível profissional, aprendo imenso, já contactei com situações complicadas, perdas gestacionais, perdas do bebé no parto”, revela. Como conselho para as mães que a seguem e para todas as futuras e recém-mamãs, Marta apela: “Informem-se. O melhor conselho que posso deixar é que assegurem uma rede de ajuda: alguém que oriente as refeições, uma consulta de amamentação, duas/três pessoas a quem se possa telefonar a qualquer hora, seja para desabafar, seja para pedir para ir buscar fraldas. O mais importante é munirem-se de uma rede de apoio para os tempos do pós-parto”, frisa.