Sofia Lisboa é a orgulhosa mãe de Manuel e Maria Clara e encontra-se grávida do terceiro filho, Francisco, previsto nascer a 20 de Janeiro. Uma mulher de força, enfermeira, que partilha os momentos bons e menos bons da maternidade na sua página de Instagram, entre os quais o mais doloroso de todos: a perda de um filho às 17 semanas. Há uma tristeza que fica sempre, diz, mas vive hoje com um maior sentido de gratidão por cada dia que tem a oportunidade de desfrutar.
A profissão de enfermeira exigia uma carga de trabalho de 80h semanais e não havia tempo para pensar em ter filhos. “A vida era tão corrida que não me imaginava a ser mãe”, confessa Sofia Lisboa. Mas assim que engravidou de Manuel, percebeu que os filhos são “o melhor do mundo” e hoje está grávida do terceiro, Francisco. Todas as gravidezes foram diferentes e os partos de Manuel e Maria Clara também. “Nesta gravidez, não tive tantos enjoos mas tenho o dobro do cansaço. Além de ter dois filhos para dar atenção, a idade pesa, há mais falta de paciência, que não existe na primeira gravidez porque é tudo novo e bonito”, afirma. Lembra que o parto do Manuel foi “a fórceps” com “muito tempo a ser suturada” e por isso quis que o parto da Maria Clara fosse num sítio diferente. “O parto da Maria Clara foi de sonho, toda a gente poderia e deveria ter um parto assim. Comecei com contracções, levei epidural e passado pouco tempo ela nasceu, até fui eu que cortei o cordão umbilical”, revela.
O pós-parto decorreu sem problemas, o mamilo de silicone ajudou na amamentação, mas Sofia Lisboa confessa que se sentiu desamparada ainda quando estava na maternidade. “Olhavam para mim como enfermeira, mas eu nunca fui enfermeira de obstetrícia e não tinha noção de nada. Achavam que como eu era enfermeira, não era preciso ensinar, mas eu não era da área”, salienta. Ver os filhos dos outros e cuidar dos nossos não é comparável, afirma. “Criamos vários preconceitos e as coisas são diferentes. Trabalhei numa clínica que tinha otorrino-pediátrico e via as mães e não compreendia algumas coisas. Agora, compreendo tudo”, realça. As mães de primeira viagem têm “maior ansiedade. Andava sempre com o Manuel ao colo, o sentido de protecção em alta. Até coisas básicas, como dar banho, que parece fácil, precisamos de ganhar à vontade. Com a Maria Clara, já sabia com o que contar”, compara.
Maria Clara, internada aos 20 dias
Não contava, porém, que Maria Clara fosse um bebé tão frágil. Aos 20 dias, fica internada na Unidade de Cuidados Intensivos com uma infecção respiratória que lhe para o coração. “Quando vi o coração da Maria Clara parar… Estava ao lado dela, a olhar para o monitor e aquilo começa a baixar, a médica chama os colegas para reanimar e as coisas complicam-se. É uma impotência, mas eu tive a perfeita noção que o melhor era sair dali porque eu só iria complicar o processo da reanimação. Estava a chorar, ansiosa, foi horrível. Naquele momento, é rezar, ter fé para que tudo corra bem”, afirma. Um momento difícil, uma bebé no hospital e um filho pequeno em casa. “Uma das preocupações maiores quando temos o segundo filho é deixar o primeiro para ir receber o segundo. Foram 9 noites seguidas com ela na UCI, ela esteve internada 14 dias, em Dezembro, altura de Natal, foi muito difícil de gerir. O estado dela preocupava e ao mesmo tempo eu sentia que estava a falhar ao Manuel”, conta. Maria Clara permanece até hoje uma “flor de estufa” com tratamento de bomba de asma e volta uma meia uma crise respiratória. “O Manuel nunca esteve doente e ela aos 20 dias teve isto. Durona de personalidade, mas flor de estufa na saúde”, diz Sofia Lisboa.
Ver Maria Clara a sofrer foi o segundo pior momento da vida desta mãe. “O pior momento foi quando eu perdi o bebé, quando aquele coração não voltou a bater. Quando vi, já estava parado. Não houve hipótese de salvar”, revela a enfermeira, sobre o bebé que perdeu antes de engravidar de Francisco. “Aconteceu em Junho do ano passado, chegámos à maternidade com uma pequena perda de sangue, fazem a ecografia e já não havia batimento. Foi como entrar num pesadelo, eu só pensava ‘e agora?’. Até às 17 semanas estava tudo óptimo, tinha feito ecografia do 1.º trimestre e teste genético e estava tudo bem, nada fazia prever o que aconteceu, nunca se pensa que pode acontecer”, afirma. Já tinha tido duas perdas mas “em estado muito inicial”, antes de cada um dos dois filhos. “Ainda não tinha ouvido corações a bater. Aqui já tínhamos visto o bebé, a família estava à espera, anunciámos que íamos ter o bebé, e de repente… os sonhos desaparecem. Tínhamos comprado uma cama para três. Quando a cama chegou, eu já tinha perdido o bebé”, atira.
Nunca se pensa que se vai perder um bebé
Sofia Lisboa diz que “uma grávida nunca pensa que vai perder o bebé, a não ser que já tenha perdido antes”. O luto fez-se através da busca por essa comunidade de compreensão. “Começámos à procura de outras pessoas a quem aconteceu o mesmo e a falar com elas para temos uma percepção do que aí vinha”, refere. Nunca passou pela fase da negação, mas admite que o luto engloba várias fases. “A fase em que nos sentimos melhores, mas ainda não nos sentimos bem; a fase em que até estamos razoáveis, mas percebemos que depois de perdermos um bebé, nunca mais somos as mesmas, mesmo depois de aceitarmos e nos adaptarmos, fica sempre uma tristeza que não vai embora”, explica. Neste percurso, ajudou-a muito o carinho da comunidade de Instagram. “Quando perdi o bebé, a família tinha muito receio de falar comigo, enquanto a comunidade enviava mensagem a perguntar ‘como te sentes hoje?’. Apoia, quer saber se estamos bem. Acabamos por nos ajudar uns aos outros sem sonharmos que estamos a ajudar. São as pequenas coisas, não há palavras”, diz.
Perder um bebé fê-la viver mais no momento presente e desfrutar da gravidez de Francisco de uma forma completamente diferente das anteriores. “Inicialmente, o meu sonho e do Lécio era termos três filhos. Mas depois da Maria Clara e dos problemas de saúde dela, eu disse que não queria voltar a passar pelo mesmo. O bebé n.º 3 surge inesperadamente, numa mudança de pílula. Nesse momento, aceitámos o número três, a casa ficaria completa. A perda aconteceu, mas decidimos voltar a tentar” refere, exaltando o “sentimento de gratidão” de cada dia passado. “Uma perda muda tudo, cada dia é uma vitória porque sabemos que o inesperado pode acontecer. Assim levei esta gravidez: agradecer, agradecer, agradecer. E acreditar que tudo vai correr bem”, revela. Mesmo que com esta gravidez tenha vindo um novo desafio. “Descobri que tenho trombofilia, provavelmente foi a causa das perdas. As injecções que tenho de tomar são desconfortáveis. À medida que a barriga cresce, parece que dói mais. E o cansaço da recta final também não ajuda. Todos os dias, quando vou picar, olho para a minha barriga e penso ‘onde vou dar hoje? se calhar hoje não dou’, mas logo de seguida penso ‘e se acontece alguma coisa? não me perdoaria’. Eu sei que é o melhor para o bebé e para mim, mas quando chega às 21h00 e tenho de dar a injecção… custa-me”, conta.
Maternidade não é cor-de-rosa
Sofia Lisboa faz questão de mostrar todas as vertentes de uma maternidade real na sua página de Instagram. “Às vezes, passa-se uma imagem nas redes que é tudo perfeito, que todas adoramos estar grávidas e estamos felizes com o nosso corpo, mas não é assim, temos de ter a liberdade de dizermos o que sentimos. Na vida, temos momentos muito bons e outros menos bons, que fazem parte do crescimento e aprendizagem, e ao partilhar podemos ajudar outras pessoas a sentirem-se melhores”, refere. Se pudesse deixar um conselho às futuras ou recém-mamãs seria “ouvir o seu instinto. Uma das maiores dificuldades da maternidade é que ouvimos tantas opiniões alheias que começamos a ficar baralhadas. Há muito a tendência de ver o que o outro faz, mas eu sou a mãe do Manuel e da Maria Clara e eu sei o que é melhor para eles porque os conheço melhor que ninguém. Devemos ouvir as opiniões e acatar o que achamos que devemos acatar, mas nunca esquecermos de nos ouvirmos a nós próprias”, realça.
Cada fase do crescimento das crianças traz novos desafios. “Eles crescem e achamos que tudo fica melhor, mas depois vêm desafios ainda maiores. Gosto muito de conversar com eles, acho que entendem o que lhes digo, vão aprendendo. O maior desafio da maternidade é educar sem estragar. Tudo flui muito bem com amor”, afirma. Os pais ensinam, mas os filhos também ensinam. “Todos os dias aprendo com eles, especialmente a ter mais paciência, afinal consigo ter mais paciência. Eu era uma Sofia muito exigente, como profissional não me desviava um milímetro do objectivo, e agora vivo o dia-a-dia, sem grandes planos. Era uma pessoa inflexível e tornei-me flexível, o que para mim é melhor porque sofro menos. Quando as coisas não correm da forma como eu acho que deviam correr, relativizo, a vida não se vive dentro do quadrado”, atira. O que se pode mudar, muda-se, o que não se pode, “aceita-se. É assim que eu levo a maternidade”, refere.
Francisco quase a chegar
Francisco está previsto chegar a 20 de Janeiro e os manos já têm uma prenda para ele. “A tradição – de os irmãos trocarem presentes quando chega um novo elemento – vem dos meus pais que fizeram isso comigo e com a minha irmã. É o simbolismo da partilha, de partilharem uns com os outros, e sobretudo não deixa de entrar um novo ser cá em casa que lhes vai tirar a atenção que era só deles”, explica. O Manuel ainda se lembra do presente que a Maria Clara lhe deu quando nasceu e “faz questão de dizer à irmã que o dudu e a mantinha que ela tem foi ele quem deu. Nunca mais esquecem aquele momento, aquela partilha inicial em que se conhecem. Correu muito bem com a Maria Clara, são muito amigos”, afirma. Ele com cinco anos, ela com três, são cúmplices até na decisão de participar ou não nas tarefas domésticas. “Aqui todos ajudam e eles gostam, é uma maneira de estarem entretidos e sentirem-se úteis e autónomos. Se levarmos as coisas com descontracção e não os obrigarmos, funciona. A cama, por exemplo, é um gavetão e eles já a fecham sozinhos, às vezes até discutem para ver quem vai fechar. Para pôr a mesa, às vezes vêm os dois aos encontrões. Ou vêm os dois ou não vem nenhum, andam sempre alinhados”, diz Sofia Lisboa.
Todos estes momentos vão sendo partilhados na página de Instagram. “Quando criei a página de Instagram, foi para o meu trabalho. Mas depois comecei a aperceber-me que a minha vida é mais do que trabalho e as pessoas que estavam ali queriam ver isso. Comecei a partilhar mais coisas e agora quase só falo de maternidade”, constata, entre risos. As partilhas começaram depois do nascimento de Maria Clara e os seguidores adoram saber “o que vestem, o que fazem, do que gostam” os dois reguilas. “O meu trabalho faz parte da minha vida, mas os meus filhos são a minha vida. Para quem nos segue, faz mais sentido ver a nossa realidade como um todo em vez de focar-me apenas no meu trabalho”, comenta. Um mundo, o das redes sociais, pelo qual se apaixonou. “Traz-me muitas pessoas, o mais importante são as relações que criamos. Cada vez gosto mais, nunca pensei. Há dois anos nem conseguia gravar um áudio e agora é das coisas que mais gosto de fazer, falar, ajudar outras pessoas”, conta.