‘Anjos na Terra’ foi o trabalho que catapultou Mr. Dheo para o coração dos profissionais de saúde. Em homenagem àqueles que na linha da frente sofreram com “excesso de carga horária e remuneração desadequada”, o artista pintou um mural que representa a destruição do vírus e que deu alento a todos os que por ele passaram.
Dado o contexto de pandemia, incerteza e desgaste dos profissionais de saúde, tornou-se imperativo a produção deste trabalho?
Sim, esse foi exatamente o mote. Vivi de perto – apesar de até ao momento ter tido a sorte de não ter sido infectado – a realidade de quem teve Covid-19 e sobretudo de quem contraiu o vírus como trabalhador da área da saúde. O sofrimento, o desgaste, a incerteza, mas também a força, as capacidades quase sobre humanas e o carinho e cuidado com os demais. Foi uma chamada de atenção para a sua situação profissional, de excesso de carga horária e de remuneração que a meu ver não é compatível com o seu mérito, mas sobretudo uma homenagem a todos os que estiveram e continuam na linha da frente durante esta pandemia.
A ideia já estava definida desde o início ou foi sendo trabalhada?
A ideia já estava formada mas coberta com uma névoa, ou seja, visualmente ainda não tinha definido como iria passar a mensagem que pretendia. Durante uma primeira pintura na mesma fábrica, vi uma parede desgastada, com um buraco no meio, e de imediato surgiu o conceito de colocar uma enfermeira com um bastão a destruir o vírus. Depois, foi tirar as fotografias de acordo com a expressão corporal e a proporção que pretendia e executar.
Qual foi o feedback recebido dos profissionais de saúde que tiveram oportunidade de ver o trabalho?
Acho que ao longo da minha carreira vivi muitas coisas bonitas e tive reacções fantásticas ao que faço, mas este foi provavelmente o trabalho em que mais me senti acarinhado por tanta gente. Recebi milhares de mensagens de gratidão quando, no fundo, a gratidão era para com todos eles, o que é curioso. Como artista, muitas vezes não penso no outro lado, nesse feedback, na dimensão ou não que o trabalho vai ganhar depois de o fazer. E este foi mais um caso em que pintei algo que sentia e queria sem imaginar o que aconteceria como consequência. É sem dúvida um carinho pelo qual estarei eternamente grato.
Qual a mensagem que gostaria de transmitir às pessoas com este trabalho?
Podemos ver isto de uma perspectiva muito simples, de um rapaz que saiu de casa, em plena pandemia, e foi pintar para uma fábrica abandonada, como fazia quando era miúdo há 15 ou 20 anos. Com algumas latas, numa freguesia longe do centro em Vila Nova de Gaia, criou um trabalho imaginado na sua cabeça, com investimento pessoal, sem qualquer tipo de apoio ou mecenas, e conseguiu chegar a todo o mundo. É um exemplo para que qualquer outro miúdo, em qualquer outra área, acredite nele próprio. Dependemos apenas de nós para marcar a diferença em alguma coisa ou na vida de alguém.