Mónica Leite aponta como exemplo a avó, uma força da natureza que a guiou e motivou durante as dificuldades que a vida foi trazendo. Mãe de três filhos, um dos quais diagnosticado com hiperactividade e síndrome de Asperger, conta à Magafone sobre a perda do marido, a laqueação das trompas e um novo amor que trouxe finalmente a paz tão procurada. Com a lágrima ao canto do olho, fala ainda sobre o Joãozinho, o bebé que perdeu, no ano passado, às 24 semanas de gestação, depois de vários tratamentos de infertilidade.
Nunca quis ser mãe até porque “nunca teve uma mãe presente”, mas a vida tinha outros planos para Mónica Leite, nomeadamente três rebentos que multiplicaram o amor. Todos os preconceitos que tinha, sobre ser mãe, caíram por terra com o nascimento dos filhos. “Via situações e dizia muitas vezes ‘se eu tivesse um filho, isto não acontecia’, como as birras nos supermercados. Mas saiu tudo ao lado, dizia que a Luana nunca ia usar chupeta nem ia vestir cor-de-rosa e ela fez isso tudo”, conta. Com a chegada de cada filho veio uma versão diferente de si própria. “Cada filho transformou-me um pouco mais. Quando fui mãe da Inês já não era a mesma pessoa que tinha sido com a Luana, e o mesmo aconteceu com o Martim. Cada um ensinou-me coisas especiais porque eles são tão diferentes que às vezes me questiono se são mesmo irmãos (risos) Há uma data de mães dentro da Mónica porque eu própria me fui melhorando”, refere.
Assim como os filhos, as gravidezes também tiveram as suas peculiaridades. “Na gravidez da Luana, vivi na base do mimo, fazia tudo o que me apetecia, comia tudo. Já na da Inês, trabalhei até não poder mais, esquecia-me que estava grávida, só me lembrava quando me olhava ao espelho. O Martim não foi uma gravidez planeada e tive direito a tudo o que era menos bom: diabetes, anemia, internamento, ruptura de bolsa às 24 semanas”, enumera Mónica Leite, não conseguindo estabelecer termo de comparação. “Só a mãe é que é a mesma”, diz, rindo. Os partos, por seu lado, foram “grandes aventuras”. A Luana com 3,800kg foi “um filme de terror” com “médicos por todo o lado”. A Maria Inês foi um parto induzido, mas “calmo”, que demorou apenas duas horas e dois puxões. “O Martim, por sua vez, não nasceu em casa porque não calhou. Entrei no hospital com sete dedos de dilatação e a bolsa arrebentada”, recorda. Mais stressantes os partos do que o regresso a casa. “Sou uma pessoa despachada, então logo na primeira gravidez pensei ‘é a minha bebé, não é? então vamos a isso’. Sempre fui sozinha na vida e me desenrasquei”, afirma, comentando que a parte mais difícil foi mesmo a amamentação que “tentou durante duas semanas, tomou tudo, fez todas as mezinhas, até beber cerveja preta, mas nada funcionou, tinha muito pouco leite”.
Diagnósticos difíceis de aceitar
O seu espírito positivo teve de enfrentar grandes embates ao longo da vida. O primeiro o diagnóstico do filho Martim que confirmou algumas suspeitas. “O Martim sempre foi diferente, era um bebé que gritava dia e noite, que precisava de estímulos para tudo. Não dormia, só chorava e comecei a achar que ele não tinha o mesmo desenvolvimento que as irmãs. Reagia muito mal às luzes, ao barulho, chorava desde que se ligava a televisão até que se desligava, até as luzes do pinheirinho de Natal criavam-lhe confusão. Um dia, cheguei à escola e disse à educadora que algo não estava bem e ela respondeu que já tinham pedido a avaliação da intervenção precoce porque achavam que o Martim era autista. Ele tinha quatro meses. Avaliaram-no, mas descartaram o autismo, diziam que seria qualquer atraso no desenvolvimento”, recorda Mónica Leite, sobre aqueles dois primeiros anos angustiantes. “Um dia, desesperada, decido ir ao hospital porque uma criança que grita 24h não está bem e foi-me dito que o mais certo era ele ter algum transtorno. Fez todos os exames possíveis e saiu de lá medicado, com apenas dois anos. Nós estávamos esgotados, foram dois anos assustadores, eu tive de me despedir do meu trabalho porque não dormia. Apenas conseguimos estabilizar com medicação e muito apoio e terapia”, afirma, explicando que Martim foi diagnosticado com hiperactividade e síndrome de Asperger, sendo que este último diagnóstico só é “fechado” quando ele completar 12 anos.
Com todo o contexto familiar que vivia na altura, Mónica preocupava-se com a possibilidade de engravidar novamente e por isso decidiu avançar, aos 27 anos, com uma laqueação das trompas. Uma decisão baseada no momento que mais tarde acabaria por lamentar. “Arrependi-me. A laqueação foi em Maio e em Dezembro fiquei viúva. A vida deu uma volta muito grande. Voltei a apaixonar-me, a querer criar família e tive de me sujeitar, por culpa minha, a tratamentos de infertilidade”, revela. Começou os tratamentos no ano passado, com vista a aumentar a família, e engravidou de dois bebés, que acabaria por perder, um às 6 semanas e outro às 24. “Sinto que foram as gravidezes que mais desejei por causa de todo o processo para as originar. Com os outros filhos, deixei nas mãos de Deus, mas aqui entreguei-me de uma forma diferente, com união de casal, com confiança numa equipa médica. Acabámos por morrer na praia, como digo ao Flávio, e passei a ver a maternidade de outra forma”, afirma. Nem se importava, garante, com todas as injecções que eram necessárias. “O meu lado emocional estava bem porque a equipa médica dizia-me que tinha tudo para correr bem e essa força deixou-me tranquila, além do Flávio que é a pessoa mais calma. Toda a gente à minha volta estava muito positiva”, lembra Mónica Leite.
Uma consulta normal e uma notícia devastadora
A dor, ainda tão recente, mostra o brilho das lágrimas que se formam no olhar. “Iniciei os tratamentos em Janeiro, engravidei em Fevereiro. Perdi em Março, voltei a engravidar em Maio. Ainda é difícil falar do João, fazia as 37 semanas dele precisamente esta semana. Era tão desejado, contávamos os dias, foi muito emocional”, recorda, com o dia em que o perdeu ainda tão presente. “Uma ida a uma consulta completamente normal, e por acaso o Flávio ia comigo, o que nem era costume, eu estava de 24 semanas. A médica passou-me medicação porque os diabetes estavam a ficar descontrolados e a colega diz ‘vamos ver essa miúda’, porque na altura pensavam que era uma menina. Coloca o aparelho e eu digo-lhe ‘está muito sossegadinha, está tudo bem?’ e ela não me responde e pede à colega para ir ver. A colega olha para mim e diz ‘Oh Mónica…’ e foi… horrível, não precisei que ela dissesse mais nada. O Flávio saltou da cadeira e agarrou-me. Eu só perguntava ‘porquê?’. Queria ir para casa, mas tinha de iniciar logo o protocolo da medicação para aquelas situações”, conta, assustada com tudo o que se seguiria, um parto normal sem possibilidades de sucesso.
“Lembro-me de sair da sala e me sentar numas cadeiras e estar 10 minutos a chorar, chorei tanto, estava com uma raiva tão grande, em negação, ‘não pode ser verdade’. Pedi para me fazerem outra ecografia, mas recusaram, diziam ‘a bebé não tem vida e não te vamos massacrar’. Viemos para casa e começou a pior parte, ver a cama montada, o enxoval pronto e contar aos miúdos. Contámos logo porque íamos ter de os deixar com os avós no dia seguinte”, diz Mónica Leite, que recorda com carinho, em contraponto, o momento em que souberam que iriam ter mais um irmão através da chupeta colocada no frigorífico. “E como explicar a nós próprios que não ia haver bebé? O parto foi a coisa mais horrível da minha vida e doeu-me ainda mais porque eu sempre soube que era um menino, apesar de toda a gente dizer que era uma menina. Eu senti-o, não sei explicar. Mesmo no parto, o João queria que eu o visse. Senti as águas a rebentar às 20h00 e a enfermeira mandou-me ir para uma sala, que não a sala de partos, e mandou-me fazer força, mas não acontecia nada. Eu pedia para ver o bebé, mas elas não queriam que eu o visse. Quando volto ao quarto para esperar, chego à porta do quarto e digo ao Flávio ‘vai chamar a enfermeira’. Ela chegou e eu já tinha o João nos braços. Era perfeitinho, tudo o que idealizámos, era o nosso sonho, que injusto alguém o levar daquela maneira e sabermos que nunca mais o iríamos ver”, diz Mónica Leite. As coincidências eram muitas. “O João nasceu no dia em que casámos, ainda hoje não parei de pensar nele. As pessoas dizem-me ‘tens outros filhos, pensa neles’, e eu penso, são o melhor que tenho, mas arrancaram-me o João sem uma causa para explicar o que aconteceu. Como se vem para casa de braços vazios depois de um parto?”, pergunta, deixando o silêncio como resposta.
Obrigados a dar a notícia mais cedo do que gostariam
Mónica Leite, que partilha a sua vida e partilhou toda a luta contra a infertilidade na sua página de Instagram apelidada A Mãe do Tim, tinha agora de partilhar, também, a perda com os seguidores. “Escolhemos três pessoas na família que quisemos que soubessem e não queríamos contar a mais ninguém, mas passados quatro dias alguém invadiu a nossa privacidade e tivemos de partilhar publicamente. Não o queríamos fazer naquele momento, mas estávamos a receber mensagens e telefonemas e fomos obrigados a partilhar”, refere, preferindo contar a toda a gente através do Instagram do que ter de ligar a mil pessoas e reviver “mil vezes” o momento. “Culpabilizo-me muito. Tive de recorrer a ajuda psicológica porque estava a entrar num caminho muito mau. Não há um dia em que não chore, não pergunte porquê, não pense onde errei. Pensava ‘a culpa disto é minha porque fiz uma laqueação e Deus está a castigar-me’. Para poder levantar-me e ajudar a minha família neste luto, tive de pedir ajuda e foi a melhor coisa que fiz. Perder um filho é a pior coisa do mundo, então para alguém que fez tratamentos para o ter…”, diz Mónica Leite, revelando que os piores momentos são quando “a porta de casa se fecha” ou algo a faz lembrar do João. “Estou no trabalho e vem uma música que me faz lembrar o João, começo a chorar. As sextas-feiras e sábados passaram a ser o dia em que o João faleceu e o dia em que o João nasceu”, revela, agradecendo pelo marido que “aceita o que o mundo lhe dá. Ele diz ‘se isto aconteceu foi para termos mais cuidado para a próxima’. Ainda bem que tenho uma pessoa assim comigo”, salienta.
Questionada sobre de onde vem a força para lidar com tantos percalços na vida, Mónica Leite é peremptória: “Fui criada por uma força da Natureza, a minha avó, que ficou sozinha aos 30 anos com três filhos. Tive o melhor exemplo e não podia baixar os braços nem desiludi-la. Ainda bem que a tive, senão não tinha aprendido que nós, mulheres, conseguimos tudo o que queremos”, salienta. Nesse sentido, criou a página nas redes sociais, para ajudar mais mulheres que estivessem a passar pelo mesmo que ela. “Senti que havia muita gente com vergonha. Recebo, por dia, dezenas de mensagens de pessoas a dizer que fizeram laqueações e que têm vergonha de agora estarem a fazer tratamentos de infertilidade, pessoas que têm vergonha de dizer à família que não podem ter filhos ou que têm vergonha de estar a fazer tratamentos de infertilidade. Quis ser o colo de alguém e com isso vieram até mim muitas histórias positivas, foi uma troca, recebi muito mais do que aquilo que dei”, afirma, contando que as pessoas “queriam saber mais e mais” sobre a família e, especialmente, o Martim e quando anunciou a gravidez do João algumas até enviaram fatinhos de bebé de presente.
“O amor nasce não sei de onde e divide-se”
O que é mais difícil em criar três seres humanos? “Dividir-me por todos porque todos têm necessidades diferentes. A Luana, com 13 anos, é uma adolescente rebelde, a Inês, com 12, é calma, mas tem momentos em que parte a loiça toda, e o Martim, com 10, veio mostrar-nos a diferença. São muito unidos, mas ora estão pegados ora aos beijos e abraços, é difícil como mãe gerir as birras e as picardias porque queremos sempre ser perfeitas, não conseguimos e depois cobramo-nos”, salienta Mónica Leite, que não sabe onde está escondida a fonte de amor inesgotável. “O amor nasce não sei de onde e divide-se. Os filhos ensinam-nos que somos capazes de tudo por eles, damos a vida por eles, damos tudo. Tenho a sorte de ter três filhos que todos os dias me ensinam tanta coisa. Nesta casa há uma fonte de amor em algum lado que não para de jorrar”, diz, entre risos. Um dos momentos mais difíceis para uma mãe ou pai é “ver os filhos voar” e Mónica Leite teve de fazer isso bastante cedo com a filha mais velha que quis ir estudar cozinha e isso implicou estudar numa cidade diferente. “Cortar o cordão umbilical foi difícil. Amo tanto aquela miúda, é tão minha. Doeu-me muito, uma das maiores dores da minha vida, mas tenho um orgulho doido nela”, afirma, sorrindo.
Como conselhos para recém ou futuras mamãs, deixa apenas um: “Descomplicar. Os nossos filhos não trazem livros de instruções, mas nós temos cá dentro um software que se activa quando eles nascem”, diz, apelando a que as mães “confiem nelas próprias. Quanto menos deixarmos os outros interferir, melhor. Às vezes, tanto tentam ajudar que acabam por atrapalhar. Achamos que estamos a seguir os melhores conselhos, mas o que resulta com os filhos dos outros pode não resultar com os nossos. Temos de seguir aquilo em que nós acreditamos. Se acreditamos que é o certo, vai correr bem”, garante. Acima de tudo, “tranquilidade. Não vale a pena stressar, aproveitem, o tempo passa a correr. Ainda há pouco tempo tinha uma bebé e agora ela já tem 14 anos. Enquanto são nossos e querem o nosso colo é aproveitar porque um dia vão voar e depois ficamos com pena de não termos aproveitado mais”, realça.