Tessy Gomes nasceu no Luxemburgo, filha de pais portugueses, e desde muito cedo, carregava consigo o sonho de fazer voluntariado num país africano. A oportunidade surgiu em 2016 e ela, na altura a trabalhar no Luxemburgo, nem pensou duas vezes, deixou tudo para trás e rumou à favela de Quibera. A experiência foi tão boa que Tessy nunca mais deixou de trabalhar no Quénia e eventualmente criou o seu próprio projecto, dedicado à saúde feminina, com vertentes de higiene menstrual, sexualidade e maternidade, para levar até às populações mais desfavorecidas, especialmente às mulheres, a informação que falta para se protegerem.
“Os meus pais nem ficaram surpreendidos quando lhes disse que ia para o Quénia, sempre senti um grande apelo por África. A minha mãe só me dizia para não trazer nenhum menino embora”, conta Tessy Gomes, entre risos, sobre o desejo que sempre teve de rumar àquele continente para fazer voluntariado. Em Portugal, participou em vários projectos solidários até decidir tornar-se emigrante, como já tinham sido os pais, e rumar ao seu país de nascença, o Luxemburgo. Trabalhou numa papelaria e casa de charutos durante quatro anos até que finalmente uma entrevista na televisão lhe despertou o bichinho que esteve sempre à espera de uma oportunidade. Uma portuguesa falava sobre o projecto de voluntariado que estava a desenvolver no Quénia e Tessy nem hesitou. “Despedi-me, agarrei nas malas e fui-me embora com o dinheiro todo que tinha poupado”, conta, sem medos nem grandes planos. “Honestamente não tinha expectativas, não sabia para onde ia. Vi a entrevista e pensei ‘é para ali que vou’, contactei a associação antes da viagem, mas a responsável do projecto nem percebeu que eu ia a caminho. Quando cheguei ao Quénia, não tinha ninguém à minha espera no aeroporto, andei perdida três dias, mas eventualmente cheguei a Quibera e gostei muito, senti-me em casa”, revela.
O trabalho era polivalente. “Fazíamos um pouco de tudo, principalmente com as crianças. Funcionava como uma espécie de ATL, estávamos com elas quando regressavam da escola e ajudávamos com os trabalhos de casa e nas férias passávamos os dias com elas a fazer actividades e a estudar porque têm exames”, refere. Durante o tempo que esteve em Quibera, não sentia necessidade de mais nada. “Sentia-me tão plena, tão concretizada, tão cheia de amor. Sentia-me completa. Aprende-se muito, é preciso pouco para eles serem felizes, qualquer coisa serve de brinquedo. Os problemas são diferentes, hoje em conversas com a minha mãe, quando ela se queixa, penso ‘isso não é problema, vocês estão só a complicar’. É difícil ver como problemas certas situações banais em Portugal”, explica. Integrada naquele projecto, Tessy ficou nove meses em regime de voluntariado, sendo que teve de regressar ao fim de seis porque é o período temporal máximo permitido para não quenianos. Ao fim de completar os nove meses de voluntariado no Quénia, ainda ficou mais algum tempo, desta vez já a trabalhar no projecto. “Eventualmente, acabei por sair e quando saí decidi começar com os meus próprios planos”, diz Tessy Gomes.

Doar sem ensinar não gera resultados
Planos que incluíam falar sobre saúde feminina às mulheres quenianas, especialmente higiene menstrual, sexualidade e maternidade. “Trabalhei com algumas mães, durante os meus primeiros anos no Quénia, e apelávamos à contracepção. Mas em 70 mulheres, se conseguíssemos que uma colocasse o implante, já era uma vitória. No Quénia, há muita falta de informação. Comecei a notar que só doar, como eu fazia com os pensos reutilizáveis que levava de Portugal, não resultava porque há uma grande falha em termos de educação sobre o corpo ou de como usar os produtos. Em 2019, uma menina suicidou-se porque o professor chamou-a à frente da turma e humilhou-a por ter uma mancha de sangue na roupa, e isso mexeu comigo, algo assim acontecer em 2019 por causa do período é impensável. Então comecei a trabalhar estes temas”, conta Tessy Gomes, acrescentando que a parte da maternidade veio mais tarde com o nascimento da sua própria filha, hoje com 1 ano. “No Quénia vê-se coisas terríveis como mulheres com mamilos gretados que continuam a amamentar ou crianças que andam cheias de roupa num clima de temperaturas altíssimas. Achei essencial levar a cabo programas pedagógicos de partilha com a comunidade. Quero educar e informar que é possível fazer de outra maneira e ensinar as mulheres a serem menos dependentes dos homens, por exemplo, no que toca aos pensos. Em vez de esperarem que eles levem dinheiro para casa para poderem compra-los, ensino-as a fazerem os próprios pensos em casa, o que também serve como impulso para elas próprias terem uma fonte de rendimento e venderem umas às outras”, explica.
Tessy Gomes trabalha de perto com o governo queniano e com Organizações Não-Governamentais que identificam as comunidades desfavorecidas com quem ela trabalha. “Tirei formação como Educadora Menstrual e já dei várias sessões a meninas sobre menstruação e saúde reprodutiva. Em Agosto, vou começar a trabalhar a parte da costa, que é mais pobre e habitualmente esquecida pelo Governo. Não quero ir tanto para escolas, porque já há muita gente a trabalhar aí, quero trabalhar de perto com as mulheres para que elas depois possam ensinar as filhas”, afirma. Tem sido um “longo processo” de autorizações e aceitação dos “guardiões das aldeias”, mas Tessy Gomes e o seu projeto Mum’s Togetherness, que significa “união das mulheres”, tem conseguido atingir os seus objectivos. “É interessante porque falo de tópicos tabu, mas a aceitação das mulheres é boa. Não uso projector nem computador, tenho cartolinas muito grandes com vulvas desenhadas e o ciclo menstrual. Quando abro a primeira cartolina, fartam-se de rir, ‘o que é isto?’, mas depois começam a questionar”, conta Tessy Gomes, que gosta de desmistificar mitos como “não posso fazer um bolo quando estou menstruada porque não cresce” ou “para parar o período devo lavar-me com água e limão”.



Trazer o projecto para Portugal
O próximo passo é começar a fazer estas sessões informativas também em Portugal. “Estou a tentar trazer o projecto para Portugal. Já não me imagino num escritório das 9h às 17h00, quero ajudar e impactar, mas preciso de uma fonte de rendimento. A recepção aqui, porém, tem sido mais púdica, as pessoas são mais fechadas. Até me disseram ‘se calhar tens mais sorte no Quénia’, o que me surpreendeu. Acho importante organizar workshops com mulheres para falar sobre a sua saúde, a relevância de olharmos para e por nós”, frisa. Tessy Gomes pensou que seria mais fácil implementar o Mum’s Togetherness em Portugal, mas a verdade é que, comparativamente, no Quénia os obstáculos foram menores no país africano. “Até tive homens nas minhas sessões no Quénia! E quando fui trabalhar com a comunidade muçulmana, pensei que seria difícil abordar porque as mulheres nem podem ir à mesquita quando estão menstruadas, mas foram muito abertas, receptivas. Em Portugal, pensei que seria só chegar e ir falar com associações e autarquias, mas a resposta é ‘temos de ver como vamos sensibilizar as pessoas’. Nunca pensei”, diz, explicando que costuma, por exemplo, nas suas sessões fazer esse trabalho de sensibilização junto dos rapazes. “Digo aos rapazes ‘vocês não querem falar sobre isto, mas sem o ciclo menstrual da mulher vocês não estariam aqui’. Temos de educar os jovens de forma diferente”, salienta.
Desde 2016 tem sido uma roda-viva entre Portugal e Quénia, no início levando muitos donativos para lá, mas agora com a filha pequena a acompanhá-la, Tessy prefere os donativos monetários. “Levava sempre muitos donativos daqui, mas agora prefiro que dêem monetariamente e eu compro lá porque com a bebé tenho de levar muita coisa comigo. Em Março, ela já me acompanhou na viagem para o Quénia e andou comigo nas comunidades, nas motas, nos Tuk Tuk, a falar com as mulheres, anda por todo o lado”, conta Tessy Gomes, acrescentando que a filha se apaixonou de tal forma por motas que até nos carrosséis das festas populares escolhe sempre esse transporte. “Está a crescer neste meio e acho que quando começar a perceber o trabalho que faço, estes temas para ela vão ser banais e, quem sabe, talvez um dia possa continuar esta senda”, afirma. Sobre o futuro, o essencial é garantir a “sustentabilidade” do projecto. “O problema destes projectos é que passamos anos em angariações de fundos e eu quero tornar isto sustentável através da venda de produtos menstruais. Já tenho algumas costureiras no Quénia e quero vender para todo o mundo”, lança.
Sobre conselhos sobre saúde feminina, Tessy Gomes deixa o mais importante: “A maior dica que posso dar é conhecer o nosso corpo. Agarrem num espelho, olhem para a vossa vulva, às vezes podem até encontrar algo de errado. Se falarmos de higiene, não se ponham a lavar com sabonetes de rosas ou a lavar por dentro, lavem com produtos de PH neutro ou, se souberem o vosso PH natural, ainda melhor, porque senão vão acabar por provocar infecções. Tentem sempre ir a um médico credível e tenham muitas conversas no vosso núcleo familiar sobre estes assuntos para que tornem menos tabus e mais banais porque é algo que todas as mulheres vivem no seu dia-a-dia”.
