Rita Rocha e Silva foi uma das mais jovens premiadas com o Globo de Ouro de Melhor Atriz de Teatro. Aos 28 anos, a jovem que nasceu em Oliveira de Azeméis e cresceu em Santa Maria da Feira, fala sobre este percurso que começou com um desafio da professora de ballet e que a levou a participar em projectos criativos e apaixonantes, entre os quais aquele que lhe valeu o reconhecimento, Lua Amarela.
Entrou no ballet ainda muito pequena, na Academia de Dança Ana Luísa Mendonça, em S. João da Madeira. Quando Rita Rocha e Silva completou 10 anos, abriu uma audição na escola para a peça de final de ano cujo tema escolhido era o conto clássico Peter Pan. A professora de ballet, já vislumbrando um potencial talento, incentivou a aluna a fazer o casting e o resultado não podia ter sido melhor. O primeiro papel “mais teatral” de Rita Rocha e Silva foi encarnar a conhecida personagem da fada Sininho. “Gostei muito, foi muito divertido, senti uma liberdade muito grande e o feedback foi muito positivo, foi uma fase bonita da minha vida”, recorda. A partir daí, ela era a escolha garantida para qualquer espectáculo da academia e aos 13 anos, quando abriu um curso de teatro amador, não perdeu a oportunidade. “Mas sempre continuei na dança porque achava que era aquilo a minha paixão”, diz.
Na altura de escolher o caminho profissional, na Escola Secundária Ferreira de Castro, as Artes Visuais pareceram-lhe a melhor opção, mas três meses descobriu uns panfletos do Conservatório de Música da Jobra, em Oliveira de Azeméis, e mais uma vez foi impulsionada por alguém que lhe era querido, uma amiga que indicou: “Tens mesmo de ir para aqui”. “Uma novidade completa, havia dança, teatro, música, orquestra”, lembra Rita Rocha e Silva, comparando aquela escola aos Morangos Com Açúcar. “Nos espectáculos finais podíamos integrar pessoas da música e dança, houve uma sinergia muito grande e interligação das áreas. No 11.º ano, tive um professor, Vítor Valente, que foi um grande mestre do teatro para mim, mostrou-nos Shakespeare, ajudou no projecto final, a escolher os textos, a pesquisar mais sobre autores, a dar um lado emocional mais forte às personagens”, conta, sobre “trabalhar personagens como Ofélia aos 17 anos”. “Ir dentro de mim procurar emoções era algo que gostava muito, gosto de desafios, trabalhar coisas diferentes. Proponho desafios a mim própria e dou sempre o meu melhor”, refere.
Gargalhadas incontroláveis e a alegria do improviso
Sobre trabalhos que a marcaram, destaca ‘I’m So Excited’ com Mário Coelho. “Um dueto, eu e ele em cena, senti uma liberdade e confiança gigantes para imprimir o meu cunho pessoal, senti que podia fazer o que eu quisesse dentro daqueles limites, ele puxou por mim a vários níveis. Esteve em cena em 2018 e depois em 2020 houve a sequela. Fomos agora em Novembro à Madeira com esta peça”, diz Rita Rocha e Silva, feliz com o “bom feedback” da peça. “Correu tão bem que fomos repondo”, afirma. A última peça em que trabalhou antes de o Covid fechar as salas. “Dois dias antes da pandemia rebentar fomos ao Teatro do Bolhão com esse espectáculo”, lembra. O palco é um lugar de “encontro com os outros, de partilha da experiência, o sítio em que dá liberdade de expressão e autoconhecimento”, refere.
Sobre peripécias em cena, fala sobre trabalhar com a actriz Maria João Luís. “Riamo-nos as duas em cena, o espectáculo era muito engraçado, tínhamos uma cumplicidade que se notava, havia espaço para isso e público reagia bem. O texto era do Carlo Valentim. Quando sentíamos que o público ria connosco, sentíamos que estávamos vivas e é tão bom. Acho que é muito importante a entrega quase total, é o caminho que me interessa, a escuta da intuição e do outro, é um jogo, é como se fôssemos crianças a brincar”, afirma. Também os momentos de improviso no espectáculo I’m So Excited transformaram-se em histórias caricatas e memoráveis. “Estávamos tão à vontade, tirávamos o tapete um ao outro, fazíamos coisas inesperadas e tínhamos de lidar com isso no momento. Era um espectáculo propositadamente cru, podíamos fazer o que nos apetecesse. Sinto-me cada vez mais confortável com improviso, só aprendemos a fazer, e o percurso de evolução é bom. Um espectáculo é uma experiência única”, salienta.
Instabilidade da profissão é a maior desvantagem
A profissão, contudo, não tem só boas histórias e momentos. “A instabilidade desta profissão é sem dúvida o pior, é muito intermitente, podemos ter trabalho durante três meses e depois não ter nos próximos seis ou sete. É uma constante incerteza. Mais as crises existenciais, as dúvidas, as questões, ‘será que é este o caminho, sou boa o suficiente, tenho valor, é por aqui, tenho futuro nisto?’, pensamos na renda para pagar, em voltar a trabalhar em restaurantes e bares, começamos a achar que é ingrato, é uma injustiça não termos apoio”, conta Rita Rocha e Silva que “nunca teve um contrato na vida. “No teatro independente trabalhas muito à bilheteira. Não dá estabilidade, não tens ordenado que cai certinho, não sabes com o que contar”, aponta. Para suportar tudo isto, só mesmo uma “grande paixão. O meu amor por esta profissão é maior do que o meu amor por outra qualquer. A inspiração que sinto ao ir ver teatro, ver os meus colegas a trabalhar, pensar ‘quem me dera estar a fazer aquele filme inacreditável’, faz-me voltar. E tenho uma boa rede de apoio que me dá a mão quando me vou abaixo e me ajuda, orienta caminho, sempre que estou com incertezas e períodos com menos trabalhos, Aparece sempre qualquer coisa e volto a acreditar”, afirma.
Sorte ou talento? “A sorte dá trabalho, quero acreditar que o trabalho também traz sorte, se deres muito de ti em tudo aquilo que fazes, se deres o teu máximo, outras coisas aparecem. Quando estás num palco, pode estar sempre alguém a ver e gostar e foi isso que foi acontecendo na minha vida, as coisas vão-se encaminhando organicamente. Mas há tantos actores incríveis para tão poucos projetos e dinheiro para fazer esta arte”, lamenta. Rita Rocha e Silva segue como lema “quanto mais vivos estivermos e mais acreditarmos no que estamos a fazer, mais vai transparecer. Gosto de ver um espectáculo e ir para casa reflectir sobre o que vi, ir ao teatro é uma experiência única que só acontece naquela noite, é sempre uma experiência diferente. Naquelas duas horas estamos dentro daquela realidade, saímos das nossas questões diárias e entramos ali para viver uma experiência nova, para sentir algum tipo de emoção. Ser actor é trabalhar para ter criatividade e imaginação, voltar à nossa criança. Quando crescemos, somos moldados e vamos toldando esse lado imaginativo e criativo e o trabalho do actor é tirar essas camadas todas e voltar à essência. Partir pedra, mergulhar no universo, imprimir um cunho pessoal porque cada um tem o seu mundo interior”, explica.
Despir a personagem é difícil quando a entrega é total
Como actriz, ela “vive sempre as coisas de forma intensa e total”, o que dificulta o trabalho de despir a personagem no final do espectáculo. “Às vezes, deixo-me levar, sinto tudo, sou eu que estou a passar por aquilo, por muito que as emoções sejam impostas por um texto, estou a vivê-las, passa tudo pelo corpo e o corpo é energia. Às vezes. quando saio é difícil desligar. Tenho de respirar fundo e voltar a mim. É preciso aprender a canalizar, depende da personagem e dos processos”, realça. Esta entrega foi precisamente o que lhe valeu o seu primeiro Globo de Ouro para Melhor Actriz de Teatro. “Nunca imaginei, sempre vivi muito do momento. Vim parar ao teatro e a Lisboa e fiz disto vida, foi obra do destino, a vida vai-te encaminhando. Quando soube que estava nomeada, estava com uns amigos a filmar um projeto independente. Recebi um printscreen da nomeação com a minha cara, a minha amiga deu um grito e um salto, eu fiquei abananada, anestesiada, demorei a semana inteira a processar. Nomeada ao lado de actrizes tão incríveis, pensei que não fazia sentido, ninguém me conhecia, não sou uma cara conhecida a nível nacional, portanto quando fui para a cerimónia não preparei nada. Já estava stressada com o vestido e ansiosa só com a logística. De repente ouço meu nome e silêncio, passei a ouvir tudo em câmara lenta, só pensava nas minhas amigas a dizer ‘devias ter-te preparado’, demorei tanto a subir. Quando cheguei lá acima, olho para a frente e vejo uma plateia gigante, tinha de dizer alguma coisa. Fui sentindo a sala, o público estava atento e presente. Segui a minha intuição e falei com o coração”, conta.
O projecto que lhe valeu o prémio intitula-se ‘Lua Amarela’, o segundo projecto que fez com os Artistas Unidos, companhia fundada por Jorge Silva Melo. “Foi um ano de muitas emoções para a companhia. Jorge Silva Melo era um dos dinossauros do teatro, muito inteligente, com muita sabedoria, uma pessoa que trouxe para Portugal textos de autores contemporâneos, foi o impulsionador de tudo isto. Alguém lhe falou de mim e depois de uma reunião com ele de 15 minutos para ler um texto para uma peça, ele disse logo ‘quando começamos?’, foi uma surpresa”, recorda Rita Rocha e Silva. Nesse espectáculo, Pedro Carraca era um dos actores e mais tarde convidou-a para integrar Lua Amarela, uma peça sobre dois adolescentes muito diferentes um do outro: Leila, que adorava revistas cor-de-rosa e celebridades mas também tinha lado sombrio, e Lee, um jovem diferente, rebelde, que não conhece o pai. Encontram-se e decidem fugir os dois. “Foi uma autêntica viagem em cena, proporcionou-me explorar o arco desta personagem, a Leila, uma personagem prazerosa de fazer”, afirma.
Rita Rocha e Silva gostava que a população fosse mais ao teatro mas também que houvesse uma maior aposta na “diversidade da programação, financiamento, divulgação e apelo ao interesse do público. É preciso educar para a cultura desde pequeno para que percebam que a arte é tão importante como a economia, a saúde, o direito, porque educa e ensina sobre nós próprios, sobre a relação com o outro e com a vida. Portugal ainda aposta pouco na cultura, damos pouco valor à cultura, é secundária, mas é extremamente importante. Deveríamos introduzir o teatro nas escolas, éramos mais felizes se pudéssemos abrir esse campo aos alunos. Se no 10.º tivesse tido essa hipótese, não me teria sentido perdida”, salienta. Rita Rocha e Silva é a personificação do carpe diem, de aproveitar as oportunidades e investir corpo e alma em tudo o que faz. “Quanto mais vida carregarmos em nós, mais rico fica o nosso imaginário. Sou uma pessoa que gosta de experiências novas, de beber de sítios. Gostava de fazer cinema, séries e continuar com o teatro, o local para onde a vida me continua a puxar”, remata.