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Andreia Albuquerque é medica gastroenterologista e fala-nos, nesta entrevista à MAGAFONE, de uma das condições que mais afecta a população: Síndrome do Intestino Irritável. As doenças gastrointestinais são das mais prevalentes, “todos conhecemos alguém que já teve uma condição mais ou menos grave” a este nível, e sofrem com os sintomas da SII cerca de 1 milhão de portugueses. Uma doença ainda desvalorizada e até inicialmente apenas atribuída a factores psicossomáticos que vale a pena ficar a conhecer melhor.

O que é a Síndrome do Intestino Irritável (SII)?

A Síndrome do Intestino Irritável é uma doença bastante prevalente, pensa-se que 1 milhão de portugueses são afectados pela SII, é um número impressionante, poucas doenças atingem estes valores. Mais de 50% das consultas de Gastroenterologia, fora do hospital, são dedicadas à SII. Ocupa muito tempo das nossas consultas e muitos recursos dos cuidados de saúde. A doença caracteriza-se pela presença de vários sintomas, com uma predominância para a dor abdominal e a alternância na frequência e consistência das fezes, ou seja, ou doentes têm diarreia ou obstipação ou alternância das duas. É uma doença muito incompreendida porque muitas vezes os exames realizados, como colonoscopia ou análises ao sangue, vêm normais. Os doentes têm estes sintomas incapacitantes, procuram um médico e todos os exames que fazem estão normais, então chegam à consulta, especialmente se já passaram por vários médicos, com a sensação que estão a inventar as queixas. Os estudos mostram que estes doentes se sentem incompreendidos, pouco ouvidos, queixam-se de falta de empatia, e isso tem a ver com a própria doença, que é real, mas depois não tem um único exame que a diagnostique.

De que forma esta doença limita a qualidade de vida e o dia-a-dia de quem sofre com ela?

Os doentes de SII apresentam sintomas que condicionam a sua qualidade de vida, a capacidade de trabalhar e de ter vida social activa. Trata-se de uma doença benigna, não há um risco acrescido de desenvolverem um cancro ou uma doença mais incapacitante, e isso faz com que seja desvalorizada. Mas a doença existe, provoca sintomas e pode ser muito debilitante para a vida dos doentes. Muitos se queixam de diarreia com urgência, da necessidade de irem a correr à casa-de-banho, e essa situação pode ser limitativa para que as pessoas desempenhem bem o seu trabalho ou queiram sair de casa num contexto social. Há pessoas que limitam a sua saída de casa porque podem ocorrer estas situações.

Ainda não se conseguiu apurar com certeza o que provoca a SII?

Não se sabe exactamente qual é a causa, o que se sabe é que os doentes com SII parecem ter alterações na motilidade intestinal, na forma como o intestino se move, e têm hipersensibilidade, intestinos mais sensíveis. Têm um limiar mais baixo do que provoca dor em relação a alguém que não tem SII, determinados estímulos desencadeiam dor ou diarreia mais facilmente. Sabe-se que podem existir alterações da flora intestinal e que há uma associação desta doença com a ansiedade e o stress, o que contribui para a incompreensão. O stress e ansiedade podem de facto levar a alterações do trânsito intestinal, se a pessoa está a passar por um período de ansiedade e stress normalmente queixa-se de dores no estômago e que vai mais vezes à casa-de-banho. Quando alguém mudou de trabalho, separou-se, perdeu alguém, não se queixa do joelho ou do ombro, as queixas muitas vezes são de foro intestinal porque há uma ligação entre o cérebro e o intestino e isso tem um papel aqui, mas não significa que as pessoas inventem as queixas. A SII pode estar associada a um leque de coisas, como a alimentação, especificamente intolerâncias alimentares, como a lactose ou a frutose, que podem levar a distensão abdominal e diarreia. Há muitas coisas em jogo e há também períodos de acalmia em que as pessoas estão bem e períodos menos bons.

Quando se começou a falar de SII, pensava-se, inclusive, que se tratava de uma doença meramente psicossomática?

O nosso bem-estar psicológico tem um impacto na nossa saúde e isso ajuda a perceber as coisas, mas também causa mais estigma e mais dificuldade de compreensão, associado ao facto da maior parte dos exames apresentar resultados normais. Não há um exame que comprove que se tenha SII e que explique as queixas. Nesta doença é expectável que os exames tenham resultados normais, similarmente à doença celíaca ou à doença inflamatória crónica do intestino, que podem mimetizar a SII. Estamos a passar por uma pandemia e os estudos têm mostrado que durante este período os doentes com SII tiveram mais queixas a nível da distensão e dor abdominal e diarreia e isso tem a ver com o aumento da ansiedade e stress, o distanciamento social, a menos acessibilidade aos cuidados de saúde e até a disponibilidade de certos alimentos. O contexto neste tipo de doenças pode piorar as queixas e trazer alterações acrescidas.

Não havendo propriamente uma cura milagrosa, o tratamento tem uma grande incidência na alimentação, correcto?

A abordagem deve ser sequencial. Primeiro, o despiste. Há algumas coisas que nunca serão SII, como anemia, sangue nas fezes, perda substancial de peso, diarreia que acorda a pessoa de noite. São sinais de alarme que requerem estudos mais específicos. Se não existe nada nisso e existem queixas sugestivas de SII, é importante excluir outras situações semelhantes, como doença celíaca e doença inflamatória crónica do intestino. Chegado a um diagnóstico claro de SII, a primeira coisa é uma boa comunicação com o doente, que é terapêutica nesta síndrome. Explicar que os exames estão normais e é isso que acontece na SII, o que é a doença, porque pode acontecer e como se pode tratar. Há algumas mudanças que os doentes podem fazer no seu estilo de vida para melhorar as queixas. A abordagem envolve três eixos: exercício físico, que ajuda na sensação de bem-estar, na motilidade e distensão abdominal; técnicas de relaxamento; e dieta, que obviamente tem um papel importante em muitas destas queixas. Há uma dieta específica que foi desenvolvida para o SII, que se chama dieta baixa em FODMAPS, hidratos de carbono fermentáveis de cadeia curta que englobam oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis fermentáveis. O objectivo é retirar da dieta os principais alimentos que podem estar associados com estas queixas. Inicialmente, é uma dieta muito restritiva e depois com o tempo vai-se reintroduzindo cada grupo alimentar e percebendo que alimentos causam mais queixas. Esses alimentos são depois retirados ou diminuídos da dieta e há uma fase de adaptação em que a pessoa percebe qual a dieta mais adequada para si. Deve ser feito com o acompanhamento do nutricionista porque estamos a retirar coisas que podem ser importantes para o equilíbrio da pessoa. Esta é uma primeira abordagem não medicamentosa, mas muitas vezes temos de evoluir para uma abordagem farmacológica mais direccionada para as queixas. Nesse caso, para a dor abdominal é uma abordagem, para a obstipação outra, para a diarreia outra, depende das queixas. Se tudo isto falhar, há abordagens psicoterapêuticas, como a hipnoterapia, que tem evidência científica de sucesso na SII, refratária a todas estas terapêuticas. A ideia é ir ajustando às queixas das pessoas, algumas ficam-se pelos primeiros eixos, outras precisam de um tratamento diferenciado.

A dieta dos FODMAPS é restritiva até porque mesmo aquilo que é considerado saudável pode estar incluído neste grupo dos FODMAPS, como certas frutas e legumes?

Muitos destes doentes são intolerantes à lactose e à frutose. Existem testes respiratórios pouco invasivos que comprovam estas intolerâncias. A intolerância à lactose é comum a partir de uma certa idade porque do ponto de vista evolutivo deixamos de precisar de beber leite e o nosso organismo acaba por não conseguir fazer essa absorção. A frutose é omnipresente, está presente em legumes, fruta, adoçantes, e há alimentos com mais ou menos frutose, logo há pessoas que toleram pequenas quantidades de frutose. A dieta FODMAP passa pela restrição desses alimentos para perceber quais são e quais podem ser reintroduzidos em pequenas quantidades. Por exemplo, nos doentes com obstipação é importante a ingestão de fibra, que está muito presente nos legumes e frutas. É necessário encontrar um equilíbrio entre a ingestão de fibra activa e o que causa a distensão a esses doentes, porque muita fibra causa distensão. Tudo depende do doente e por isso é importante ajustar a dieta e a terapêutica ao doente em causa. Um caso muito típico são as mulheres que chegam com cólicas e distensão abdominal e que se sentem quase como se estivessem grávidas, não reconhecem a barriga porque está muito inchada, e aí temos de perceber o que se passa, se é alguma intolerância, e ir ajustando consoante o diagnóstico.

Qual o perfil mais comum do doente com SII?

A SII afecta a população em geral, mas sabemos que afecta mais mulheres e mais jovens. Mais de 50% dos diagnósticos são feitos abaixo dos 35 anos de idade e a nossa abordagem varia consoante a idade da pessoa. Quando temos alguém com 20 anos, mais facilmente pensamos neste diagnóstico porque é menos provável naquela idade que seja cancro intestinal. Se for alguém com mais de 65 anos, o foco é excluir outras coisas. Para alguém mais jovem, os exames vão no sentido de excluir doença celíaca, doença inflamatória crónica do intestino, intolerâncias alimentares. Se for alguém mais velho, pensamos em neoplasia, tumores, porque normalmente as queixas são acompanhadas de sinais de alarme. Existe um perfil, mas nada exclui que quem está fora desse perfil seja afectado.

O intestino continua a ser um órgão subvalorizado, mas a verdade é que ele é chamado ‘o segundo cérebro’ pela importância que tem no organismo?

Há cada vez mais essa noção de que o nosso bem-estar geral está associado ao nosso bem-estar intestinal. As doenças gastrointestinais são extremamente prevalentes, pode nunca vir a conhecer alguém que tenha tido uma doença do coração, mas já conheceu alguém que teve algo ao nível gastrointestinal. A gastroenterologia é uma especialidade fascinante e apaixonante porque chegamos a imensas pessoas. Cada vez mais se fala da ligação entre cérebro e intestino, no microbioma, disbiose intestinal, em doenças que não se vêem, não se conseguem objectivar, mas que têm uma componente muito associada ao nosso bem-estar psicológico.

Para uma boa saúde gastrointestinal, o que devemos fazer?

O exercício físico é importante, adaptado à pessoa, nem que seja caminhar meia hora por dia. Devemos ter uma dieta equilibrada, que seja saudável, e beber muita água, 2L por dia, porque ajuda em muita coisa. Além disto, fazer coisas que se gostem, por muito pouco tempo que seja. Cada vez mais estamos assoberbados com informação e trabalho, mas devemos reservar meia hora ou uma hora por semana para nós próprios, para fazer tricot, andar de bicicleta, ir à pesca, etc. São as premissas ideais para uma boa saúde gastrointestinal.

Andreia Albuquerque
Médica Gastroenterologista

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