Nada é tão doloroso como o esquecimento. Quando é voluntário, deixa-nos magoados e tristes, talvez um pouco revoltados com o comportamento de quem ousou escolher esquecer-nos. Mas quando é involuntário, quando se trata de alguém que nunca, por vontade própria, nos quereria arrumar para um canto escuro da memória, e é obrigado a fazê-lo, porque o bicho papão do Alzheimer não lhe deu outra alternativa, desencadeia uma dor dilacerante impossível de descrever a quem nunca passou pelo deserto da memória.
Gostava de conseguir explicar a angústia de ver um progenitor ou alguém que nos habituamos a percepcionar como cuidador de repente regredir no tempo e fazer tantas asneiras como uma criança de cinco anos. Gostava de conseguir passar a perplexidade, a fúria, a mágoa, a incompreensão de momentos que nunca imaginamos nem desejamos vivenciar. Mas como tantos cuidadores, também eu acredito que a imaginação, neste caso, nunca se comparará à crua realidade e mesmo que as pessoas, por compaixão, queiram calçar os nossos sapatos, depressa compreenderão que aqueles sapatos foram feitos à medida da pessoa que perdemos, muitas vezes essa pessoa somos nós próprios.
Não somos os mesmos, depois de um trauma assim, a vida mostra-nos que é urgente aproveitar cada momento com as pessoas que mais amamos e só quem sabe soletrar a palavra Alzheimer com o coração perceberá que isto vai além do cliché. No lugar da fala, temos apenas olhares. No lugar da festa na cabeça, temos sorrisos. No lugar da presença, só temos ausência. E não há nada que possamos fazer, o bicho vai roubando, roubando, até deixar a casa vazia. Uma morte lenta, dia após dia, um luto que não acaba, uma perda constante. Um adeus que não queremos dizer, porque a nossa pessoa ainda está ali, mas na verdade já não é ela, é apenas um fragmento do que foi um dia. Um fantasma do nosso amor.
Daniela Castro Soares
Directora Editorial Magafone