Um objectivo na bucket list que se transformou em realidade através de uma simples pesquisa pelo OLX. Não era para ser a curto/médio prazo, mas Paulo Vintém não conseguiu pensar em mais nada depois de conhecer a carrinha alemã que viu, com a namorada Marta Melro, e que ambos chamaram de Alma. A aventura da restauração já começou e cada passo é gravado rumo a, quem sabe, uma série documental.
A pandemia, diz Paulo Vintém, “é uma boa altura para criar projectos novos”. No entanto, não foi assim que surgiu a ideia de restaurar uma van, tudo aconteceu de forma muito “espontânea. Não andávamos à procura de qualquer carrinha para comprar e alterar. Eu andava pelo OLX a fazer uma pesquisa e cruzei-me com aquela carrinha com matrícula alemã à venda em Portugal, em Melides, na costa alentejana, local onde cresci e fiz todas as minhas férias de infância e… era aquela”, diz Paulo Vintém. A ideia não era nova, tratava-se de um sonho dele e da namorada, Marta Melro. “Acompanhávamos muitas pessoas que o faziam pelo mundo e era aquele desejo e objectivo comum que estava na nossa bucket list, mas não era um objectivo a curto/médio prazo”, diz.
A vida, porém, tinha outros planos e o momento acabou por se proporcionar mais cedo. Mal bateram de frente com a carrinha em questão, sentiram que tinham de arriscar. “Nem sabíamos na altura o quão rara e especial ela era, sabíamos que era enorme, gira, e foi aquela coisa de “não perdemos a viagem”. Naquela altura, aliviaram as restrições, já não fazíamos uma viagem há algum tempo e aproveitamos fomos até Melides, se não fosse mais nada o Paulo visitava os amigos de infância, não era uma viagem perdida”, conta Marta Melro. Não se perdeu mesmo nada, muito pelo contrário. “Não consegui pensar mais nada nos dias a seguir, parecia um miúdo, e então fui busca-la e trazê-la para cá. Assim começamos a sonhar e a imaginar”, afirma Paulo Vintém. À carrinha que transporta sonhos, chamaram Alma.
“Somos desenrascados natos, se não sabemos vamos aprender”
Apesar de Paulo Vintém ser um “condutor talentoso”, como descreve Marta Melro, foi preciso iniciar o processo de tirar a carta de pesados para conduzir a carrinha. “É gigante, parece uma camioneta”, diz Marta Melro, entre risos, contando: “Fizemos um test-drive lá. A Alma exige carta de pesados, as dimensões causam limitações, tem imensas manhas de condução”, descreve. Paulo Vintém encolhe os ombros. “Não é muito diferente de um carro”. A diferença está, claro, no modelo. “É uma Mercedes realmente especial e rara pelo modelo que é”, afirma Paulo Vintém, conhecedor de carros devido à família de mecânicos e à curiosidade pelo mundo automóvel. Acharam que conseguiam “sozinhos pôr a carrinha de pé”, mas cedo perceberam que era uma tarefa de equipa. Accionaram os contactos e hoje têm um núcleo duro que não os deixa tirar o foco da Alma. “Ninguém neste grupo ao fim-de-semana pensa noutra coisa. Abdicam de tudo o resto, ficam a trabalhar até de madrugada connosco e aos fins de semana ligam para saber se estamos a caminho. O quão rápido passou de alguém que nem era muito próximo, era só um contacto, para uma onda de amor, interesse, companheirismo, entreajuda, foi um rastilho”, diz Marta Melro.
O que não sabiam, “desenrascaram” e procuraram ajuda. “Somos desenrascados natos, se não sabemos vamos aprender ou vamos rodear-nos de quem saiba. Não nos assusta nem achamos impossível”, afirma Marta Melro. “Vamos tentar aproveitar ao máximo o que existe”, garante Paulo Vintém. O amor pela Alma já ultrapassou o pequeno grupo que nela trabalha, muito graças às redes sociais. “A quantidade de mensagens que temos recebido… A receptividade tem sido extraordinária. Vamos tentar partilhar esta experiência ao máximo, vivendo-a, não pensando só no registo e passando para o lado de lá todo o processo. A quantidade de pessoas que dizem “isto agora despoletou o meu sonho, também vou querer, ando à procura”, trocamos mensagens com várias pessoas”, conta Paulo Vintém, que quer fazer algo com a captação de cada momento do restauro da Alma, talvez uma “série documental”.
Curvas e contracurvas do caminho
Todas as “contracurvas fazem parte do processo e do encanto. Nunca nos passou pela cabeça comprar uma autocaravana já pronta”, diz Marta Melro. Vão navegado pela burocracia morosa, sem pensar em qualquer projecto de negócio associado à Alma, o casal quer torna-la num “projecto de vida. O objectivo não é que fique bonita para as fotografias, é que fique sólida e segura para passar a uma próxima geração porque estas carrinhas duram vidas”, diz Marta Melro. Sobretudo, é uma oportunidade para viajarem com os dois filhotes de quatro patas. “Temos dois cães e estamos constantemente limitados com os sítios, não há grande variedade de opções onde os aceitem e nós não adoramos deixá-los. Fazemos deles prioridade e agora vão poder acompanhar-nos”, afirma, sorrindo, Marta Melro, e mostrando de seguida os dois cães a descansar ao lado.
No próximo ano, quem sabe, já poderão desfrutar de uma viagem em família na Alma, a 60/70km/h, “bem devagarinho, a velocidade perfeita para passear”, diz Paulo Vintém, levantando o véu a um projecto com a carrinha como motor base. “Queremos criar um projecto nos faça viajar, conhecer pessoas empreendedoras, que ajudam o outro”, diz. “A ideia é rentabilizar, para ser mais do que só nós a viajarmos com ela e a usufruir da paisagem. Há um potencial gigante que se prende com outros interesses que temos e de futuro fará todo o sentido juntarmos isso e usarmos a Alma para mostrarmos a alma do nosso país”, remata Marta Melro.
Restrições da Van Life
Marta Melro e Paulo Vintém fazem questão de vincar a importância de se conhecer a filosofia por trás da Van Life. “A confusão à volta do caravanismo tem origem na falta de fiscalização. Com o boom que houve das empresas de aluguer de carrinhas, pessoas que vão de fim-de-semana, sem qualquer experiência, alugam um carrinha e, se calhar, sujam o local onde estão, não procedem da forma mais correcta, formam um ajuntamento que perturba a zona e depois saem estas leis”, diz Paulo Vintém. “Essas pessoas não estão inseridas no lifestyle. O surgimento dessas empresas atraiu pessoas que não estão interessadas no lifestyle associado à van life, que pressupõe uma harmonia com a Natureza e com os outros, e muitas vezes vão em modo viagem de finalistas e por uns pagam os outros. Esperemos que as leis que saíram recentemente, que são absurdas, sejam rectificadas para que a van life no seu verdadeiro sentido não seja limitada”, diz Marta Melro.