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No Instagram, chamam-se Eco Family Travel, mas na vida real são a Cláudia, o Pedro, a Zoe, o Guy e a Mya, uma família portuguesa, residente em Paris, que faz da vida uma grande viagem pelo mundo para conhecer e repetir lugares e conexões. Os patriarcas acreditam no potencial das viagens para a educação e já notam essas aprendizagens nos filhos que lhes perguntam sobre diferenças de oportunidades e alterações climáticas. O truque para viajar com crianças? “Descomplicar”.

Conheceram-se em Paris e a capital francesa tornou-se a casa ideal para a futura família, não tivesse sido um “amor à primeira vista” para Cláudia Monteiro quando a visitou aos 14 anos. “Nessa altura, já dizia ‘um dia vou viver aqui’, e logo que entrei na faculdade, a primeira coisa que fiz foi ir ao gabinete de Erasmus saber como poderia ir estudar para Paris. Quando conheci o Pedro e percebi que ele ia ficar em Paris mais dois anos para terminar o doutoramento, compreendi que o caminho era voltar para Paris e começar a trabalhar. Fiz o meu estágio em Paris e fiquei no mesmo atelier durante 10 anos”, conta. Uma cidade com uma “grande efervescência cultural” que reunia as pessoas em parques, restaurantes e bares numa “tendência de exterior que ainda não existia em Portugal”. Como jovens adultos, já eram apaixonados por viagens e começaram logo a desbravar o mundo juntos, com a primeira paragem em Veneza para participar na Bienal de Arquitectura. “A partir daí, nunca mais paramos”, diz Cláudia Monteiro.

Nem mesmo com a chegada da primeira filha, Zoe. A bebé acabava de completar um mês e estes viajantes partiam na primeira roadtrip em família até Portugal, passando por várias cidades espanholas pelo caminho. No mês seguinte, estavam na Grécia. “Os nossos pais deitaram as mãos às cabeça: ‘Grécia, uma ilha? E se acontece qualquer coisa?’. No princípio, a única coisa que me preocupava era a alimentação, mas rapidamente percebemos que o leite para bebés existe no mundo todo, encontrámos a mesma marca ou equivalente desde os EUA ao Bali”, revela Pedro Viegas. Além disso, a Grécia era um destino “seguro. Já tínhamos ido para lá várias vezes, íamos sempre para o mesmo hotel e para os mesmos restaurantes, conhecíamos gente lá, existia uma rede de apoio. Era a segunda melhor opção a seguir à família e correu muito bem”, garante Cláudia Monteiro, comentando que esse foi o momento em que compreenderam que viajar em família não era o bicho-de-sete-cabeças que muitas vezes se imagina. “Nós gostávamos de viajar, então quando chegaram os nossos filhos nunca os vimos como um impedimento para continuar a fazê-lo. Pelo contrário, pensámos ‘vamos proporcionar-lhes estas experiências que vão enriquecê-los’. E, na verdade, enquanto têm menos de dois anos, os bilhetes de avião não encarecem, por isso descomplicamos e fomos”, diz Pedro Viegas.

Boa recepção a famílias com crianças

Zoe foi o “teste” para as futuras viagens em família e o resultado foi um sucesso. “A partir do momento em que a nossa vida profissional se organizou de forma a termos mais tempo para a família, estarmos em casa ou noutro sítio qualquer de um ponto de vista prático é igual e isso permitiu-nos introduzir as viagens na educação que queremos dar aos nossos filhos. Aos bocadinhos, construímos este modo de vida que achamos equilibrado e que lhes abre horizontes”, afirma Cláudia Monteiro. As vantagens ultrapassam largamente os potenciais problemas. “Enquanto são pequenos, é muito fácil, dormem no avião, não têm jet lag e caso não arranjemos quarto, podem dormir connosco se for preciso, embora em todo este tempo isso deve ter acontecido apenas duas vezes”, diz Pedro Viegas, acrescentando que tal só acontece quando o hotel tem os quartos lotados e não por falta dessa opção nos alojamentos. “Depois há aquela preocupação… e se eles ficam doentes? Mas eles em casa também ficam doentes e de um modo geral não são coisas graves. O Paracetamol também há no mundo todo”, brinca o viajante. E para além de todas estas soluções, o carinho dos locais ajuda muito. “As comunidades locais, quando nos vêem com miúdos, especialmente pequenos, a entreajuda é muito grande. Quando vêem uma família, são mais simpáticos, atenciosos, prontos a ajudar, portanto as nossas viagens nesse sentido até melhoraram, sentimo-nos apoiados em todos os países, as comunidades locais são muito abertas a receber famílias, criam logo grande empatia com os miúdos”, refere Cláudia Monteiro.

Ainda se lembram de quando começaram a viajar, há oito anos, era quase inédito ver famílias em viagens turísticas. “No início, não havia a abertura que existe hoje, cruzávamo-nos com poucas famílias. As pessoas tinham duas reacções: as comunidades locais achavam que estávamos lá a morar, que éramos imigrantes; e os turistas vinham ter connosco para perguntar informações sobre os sítios e ficavam surpreendidos quando dizíamos que também éramos turistas”, conta Cláudia Monteiro, reconhecendo que o panorama mudou. “Agora já vemos muitas famílias, raramente somos a única família de turistas. Surgiram, entretanto, sites e blogues de família, o que é muito bom, porque no início era difícil encontrar informação sobre famílias em viagem. Agora é mais fácil, as famílias estão mais acompanhadas e esse é também o trabalho que estamos a tentar fazer. Quantos mais formos a falar disto, menos famílias que ainda sentem que é difícil existirão. A pouco e pouco, as pessoas vão perceber que é muito bom para a educação dos miúdos que crescem com um olhar mais aberto sobre o mundo”, salienta Cláudia Monteiro.

Crianças aprendem sobre o mundo onde vivem

Já começam a notar a perspicácia dos filhos, especialmente da pequena Zoe. “A Zoe tinha quatro anos, estávamos em Ubud (Bali), a passear na rua, e ela olha para nós e diz ‘os meninos não vivem da mesma forma no mundo todo’. Esta frase disse-nos que estávamos a fazer a coisa certa”, afirma Pedro Viegas. No mesmo sentido, no Panamá, vendo as crianças, Zoe perguntou: “Os meninos aqui não vão à escola? Aproveitei para explicar que nem todas as crianças têm as mesmas oportunidades e ela passou o resto da viagem preocupada com aqueles meninos que não iam à escola e não estavam a aprender o mesmo que ela. Deu-lhe uma grande sensibilidade para estas diferenças e isso é das educações mais básicas que podemos dar a uma criança”, afirma Cláudia Monteiro, realçando que as viagens “dão uma abertura e a consciência” diferentes que “formam a maneira como vêem e se vão integrar na sociedade e as causas que vão estar dispostos a defender”.

A pequena Zoe aprendeu sobre diferenças sociais, mas também muito sobre o meio ambiente, com a percepção das alterações climáticas e da escala do ser humano no mundo. “Ir à cratera de um vulcão e ouvi-la dizer ‘sou tão pequenina e o vulcão é tão grande’. Chegou à escola e explicou aos colegas que a lava está na Terra e como tudo funcionava. Gostamos que falem das viagens que fazem quando voltam à escola até porque é uma forma de levar isto a meninos que não têm oportunidade de viajar”, refere Cláudia Monteiro, que incentiva as interacções sociais da filha no meio em que está integrada. “Vão ganhando exemplos de vida nas viagens e nas conversas que temos com eles. São oportunidades in loco, situação que não foram forçadas e que os deixam mais abertos e com uma curiosidade que não têm se estiverem obrigados numa sala de aula. As viagens dão-nos oportunidades de discutir assuntos complicados de uma maneira mais leve e isso é essencial com crianças”, salienta. Os outros dois filhos mais novos ainda estão na fase da brincadeira, mas certamente logo seguirão as pegadas de Zoe na descoberta do mundo. “A Zoe já consegue falar do que viu, viveu, e com ela já conseguimos ver que tudo isto vale a pena. Passamos um mês na Califórnia e no fim ela e o Guy pediram-nos para aprender inglês para poder falar inglês com os meninos com quem estiveram a brincar, e agora estão os dois a ter aulas de inglês”, revela a matriarca.

Panamá e Barcelona, não obrigada

Já são quase 40 países na bagagem. “As pessoas, a cultura, a maneira como somos recebidos, sentirmo-nos em casa fora de casa é o que nos marca mais nos países que visitamos. As paisagens bonitas e a vida cultural são interessantes, mas o que conta são as pessoas e a forma como nos acolhem e como acolhem as nossas crianças”, frisa Cláudia Monteiro. Não se importam de repetir destinos até porque, explica Pedro Viegas, “um país não se vê em dois dias nem numa só vez. Não é igual visitar um país pela segunda vez. Os olhos não são os mesmos. A primeira vez estamos a descobrir tudo e a segunda vez apercebemo-nos das subtilezas. Tentamos descobrir países novos, mas voltamos muitas vezes a sítios onde já estivemos”, afirma. Sítios que “abriram a curiosidade para explorar mais além. O Dubai, por exemplo, foi assim. Não estava na nossa lista de países a visitar, mas com a pandemia a escolha reduziu. Fomos de pé atrás, com aquela ideia das torres altas, do luxo, de um país muito desenvolvido, mas quando chegámos, vimos isso tudo claro, mas percebemos que há, além disso, um Dubai mais autêntico”, revela Cláudia Monteiro. Seis meses depois, voltaram. “Íamos com uma lista de coisas mais alternativas, aproveitar a cultura local, os restaurantes mais tradicionais, os grupos que fazem visitas guiadas e nos recebem em casa deles. Aprendemos a ir ao deserto sozinhos, sem guias, sem andar de jipe nas dunas, um olhar mais calmo, em contacto com o deserto, das experiências que mais nos marcaram”, conta.

Para estes viajantes, “é importante sentir que as pessoas do país estão dispostas a acolher os turistas e a mostrar-lhes quem são. Assim vale a pena voltar. O mundo é muito grande, mas se formos só fazer check, não vale a pena, isso é ter uma ideia superficial das coisas, não é conhecer o mundo. Voltamos desde que um país nos mostre que está disposto a dar mais e o facto é que nas viagens em que repetimos países, os nossos filhos aprenderam mais, fizeram mais perguntas, tiveram mais curiosidade e trouxeram mais com eles”, revela Cláudia Monteiro. Há dois sítios, contudo, que deixaram estes turistas… insatisfeitos. Para Pedro Viegas, o Panamá desiludiu porque é um país que “não está preparado para o turismo. Não nos sentimos bem acolhidos em algumas regiões, sentimos que se estavam a aproveitar de nós”, aponta. “O único país em que sentimos o intuito de enganar os turistas. Vêem o turista como presa fácil para ganhar dinheiro”, reforça Cláudia Monteiro. Ela, porém, prefere destacar outro destino a não repetir por algum tempo. “Barcelona. Já lá tínhamos estado antes, mas viajámos para lá há três anos e havia um sentimento antiturista… nunca senti em qualquer outro lado. Só nos queriam ver pelas costas, foi chocante”, salienta.

Entrar no ferry errado, perder malas e viajar sem biberões

Os momentos divertidos foram, em compensação, muitos mais ao longo de quase uma década a viajar pelo mundo. “Em Ibiza, pusemo-nos na fila do ferry e perguntámos a três pessoas diferentes se estávamos na fila certa, ao que elas responderam que sim, que Formentera era naquela direcção. Fomos os primeiros a entrar, os carros todos atrás de nós e quando olhámos para os carros tinham todos uma etiqueta de outra ilha que nem sabíamos onde era. Tiveram de tirar carros do barco, dar meia-volta para podermos sair”, diz Cláudia Monteiro, entre risos. Já foram viajar sem “um único biberão para a Mya” e num Verão “em quatro voos perderam as malas em três. Moral da história: Levem o necessário para as primeiras 24h na bagagem de mão”, aconselha a matriarca da família, recordando ainda os planos que sempre mudam face às circunstâncias. “Íamos 14 dias para a Polinésia francesa e depois 1 semana e meia para Los Angeles (EUA), mas acabamos por perder o avião para a Polinésia porque nos esquecemos dos passaportes, e quando chegámos ao EUA, fomos adiando o regresso, porque havia sempre algo mais para ver. Acabou por ser uma das melhores viagens que fizemos”, conta.

A pandemia, para eles, trouxe algumas vantagens. “Muita gente não viajou durante a pandemia e o facto do turismo ter baixado ou ser inexistente em muitos sítios abriu possibilidades, promoções, há muitos destinos a tentar que as pessoas voltem e as companhias aéreas querem encher voos. As oportunidades aparecem primeiro nas milhas porque dá-se preferência a quem já é membro, às pessoas com tendência para voar, são clientes mais fáceis de converter”, explica, falando de “voos que abrem mais cedo ou com número de milhas inferior ao habitualmente necessário. Surgem voos à última hora em milhas por metade do esperado. Foi assim que acabámos por ir para a Polinésia, um destino que sempre foi uma viagem tão cara que me dava um aperto no coração, pensava que nunca poderia lá ir, não via voos para lá para não ter ataques de tristeza”, conta Cláudia Monteiro. Como viajantes experientes, deixam um conselho simples: “descomplicar. Não pensar em tudo o que pode correr mal porque isso também pode acontecer na escola ou em casa. E não achar que as crianças precisam de tudo e mais alguma coisa, não precisam de 5 ou 10 brinquedos, precisam do brinquedo com que dormem. Esqueçam os ‘e se?’ porque a criança apenas precisa do básico e do que lhe traz mais conforto”, refere.

Quanto mais viagens, menos cabelos em franja

Quanto à “excitação natural das crianças” que muitas vezes põe os pais de cabelos em pé, o segredo é a constância na descoberta de novos sítios. “As crianças têm um nível de excitação superior ao dos adultos em relação ao que não conhecem, elas exteriorizam tudo. Mas uma criança habituada a viajar, e não precisa de ir para longe, basta ir todos os fins-de-semana passear de carro ou uma vez por mês a uma cidade diferente daquela onde mora, estará mais habituada a ver coisas diferentes, a sair da sua zona de conforto, a estar noutros ambientes, e isso reduz aquela excitação exacerbada que pode levar a situações que desesperam os pais”, explica Cláudia Monteiro, para quem “a única forma de controlar um pouco essas reacções é dar experiências diferentes, sair com as crianças e mostrar-lhes que confiam nelas, que se vão portar bem. A criança é um companheiro de viagem, não é uma bagagem, e vê-los como tal é importante. Temos de falar com elas e explicar-lhes tudo, ajuda-as a perceber o contexto, o porquê de estarmos a fazer aquilo”, explica.

A Eco Family Travel deixa ainda como recomendações um bom seguro de viagem e um cartão de crédito que funcione bem no estrangeiro e, especialmente, desfrutar da gastronomia dos locais que se visita. “Descompliquem com a comida. Os meus filhos comem o que há. Uma vez, em Singapura, fomos visitar o bairro indiano e eu e os miúdos não toleramos comida picante. Quando acontece uma situação dessas, vai-se depois ao supermercado e compra-se um iogurte e uma banana, para a próxima arranja-se melhor. Não se pode esperar em viagem comer exactamente o que se come em casa, faz parte da viagem experimentar outras coisas”, aponta Cláudia Monteiro, abordando um assunto controverso. “Falam-me muito em snacks, nós não viajamos com snacks, as crianças comem à hora da refeição. As únicas excepções é quando sabemos que vamos fazer caminhadas ou se vamos para sítios onde não conhecemos certa zona da cidade. Pela nossa experiência, dar comida para entreter crianças corre mal, há picos de energia. E aqueles pais que dizem que as crianças não comem snacks habitualmente, mas comem em viagem, pior ainda, é uma solução que causa novo problema”, afirma. Como destinos para quem pensa viajar em família, sugerem Bali ou Tailândia, “espectaculares com crianças e têm tudo desde cidades grandes a ilhas pequenas, floresta selvagem e cultura”, Califórnia (EUA), pelos “bons parques e museus equipados para crianças”, e Islândia ou Canárias, para que possam ver “actividade vulcânica e perceber como a Terra onde vivem funciona”.

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